Vou começar esse artigo dizendo que “Para todo problema complexo, existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”, frase de Henry Louis Mencken.
Não há nada mais irritante do que ler uma sentença de um Juiz, sobre a recusa ao teste de embriaguez, fundamentando a improcedência da ação por ser uma infração de “mera conduta”.
Graças a Deus, ainda não tive esse tipo de decisão nos meus processos, pois raramente sigo essa linha do “recusou-se porque ninguém precisa produzir provas contra si mesmo” e sempre cerco o processo com pelo menos 3 linhas de estratégias processuais (que começam ainda na fase administrativa) e que garantem pelo menos 90% de chances do cancelamento da penalidade.
Mas gosto de estar atualizado com as mais recentes decisões dos tribunais, especialmente aqui do estado do Paraná e sempre fico espantado com a força que ganhou esse tipo de decisão remetendo à “mera conduta”.
Afinal, o que isso quer dizer?
Quer dizer que basta o condutor se recusar ao teste para qualificar a infração.
Na prática, o tema da recusa da embriaguez, que é extremamente complexo, foi pacificado pelos tribunais de forma “simples, elegante e totalmente errada”, como já disse no começo.
É simples, porque não exige do magistrado maiores discussões sobre o tema. Ele não tem que analisar o pacto de São José da Costa Rica, ele não tem que analisar a inconstitucionalidade do artigo 165-A, ele não tem que analisar a situação da justa causa na recusa e tão pouco analisar a obrigatoriedade do agente de trânsito em ofertar todas as formas de testes de embriaguez previstas no artigo 277, do Código de Trânsito Brasileiro.
É elegante, porque traz “ares” de aplicação das normas de direito à sentença, pois remete à uma regra do direito penal (ação nuclear) que diz que a pratica da conduta prevista no artigo 165-A já qualifica a infração. Ou seja, basta que o condutor se recuse a soprar o “bafômetro”, não importando se ele estava embriagado ou não. Com isso, inverte-se o princípio da inocência para o princípio da culpabilidade.
Só que é totalmente errada, na medida em que essas decisões são contraditórias e não observam o principio da legalidade do ato administrativo.
Explico:
- Todo cidadão tem o direito de não produzir provas contra si mesmo. Fato. Só que essa é uma regra derivada do direito penal.
Para fundamentar a sentença da “mera conduta”, os juízes tem utilizado essa premissa para afastar a hipótese de inconstitucionalidade do artigo. Para isso, afirmam que o direito à “não auto incriminação não se aplica às infrações de trânsito pois estas são de natureza administrativa e não criminal. Basta que se caracterize a ação nuclear do tipo (verbo recusar) para que a infração seja tipificada, sendo uma infração de “mera conduta””. (Apelação Civel nº 1000763-62.2020.8.26.0396. Relator: Paulo Barcellos Gatti, Data de Julgamento: 23/04/2021, 4ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 23/04/2021)
Como assim? Aplica-se o direito penal ou não? Na mesma frase proferida na sentença temos a utilização do direito penal para qualificar a infração (crime de mera conduta) e a afirmação de que o direito penal não se aplica às infrações de trânsito (direito de não autoincriminação), por sua natureza administrativa.
No mínimo, isso é contraditório.
O que podemos entender é que a utilização do direito penal de forma subsidiária ao Código de Trânsito Brasileiro ocorre conforme conveniência do magistrado.
- Sendo de mera conduta, é “irrelevante a anotação dos sinais de embriaguez ou influência de outras substâncias psicoativas, caracterizando a infração tão só pela própria recusa”. (Apelação Cível nº 1005962-56.2018.8.26.0066, 2ª Câmara da Seção de Direito Público, Rel. Des. RENATO DELBIANCO, j. 14.12.2018).
Se não há sinais de embriaguez, para que submeter o condutor a teste de embriaguez?
E, sabe o princípio da legalidade? ELE FOI IGNORADO.
O artigo 165-a não tem como ser caracterizado como sendo de “mera conduta”, pois apesar de não depender de um resultado, tem requisitos para ser qualificado:
Art. 165-A. Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277:
Qual é o Fato Gerador do artigo 165-a? A recusa.
E qual é o requisito do Fato Gerador? Que a recusa seja para impedir a “certificação da influência de álcool”.
Espera. Tem alguma coisa de errado. Se um condutor não tem nenhum sinal de embriaguez, não existe embriaguez a ser certificada, concordam? Se não há embriaguez a ser certificada, não existe o Fato Gerador do artigo 165-a.
Não parece óbvio?
- E se o condutor estiver sob a “justa causa” na recusa, como no caso de falta de condições de higiene do aparelho?
Então, estaremos diante de uma “excludente de ilicitude”, o que também impede a tipificação do artigo 165-a. Aliás, se você não sabe o que é uma “justa causa” na recusa, sugiro que leia o meu artigo “Posso me recusar a soprar o bafômetro?”.
Eu poderia trazer muitas outras situações que comprometem a utilização da regra da “mera conduta” para fundamentar as sentenças judiciais, mas essas 3 já servem para exemplificar que nossos tribunais pegaram um tema extremamente complexo e lhe deram uma solução “simples, elegante e completamente errada”, apenas para evitarem discutir as questões de forma mais aprofundada.
Autor: VAGNER OLIVEIRA. Advogado Especialista em Direito de Trânsito. Autor do livro “Infrações de Trânsito sob a ótica do Defensor de Condutores”. Professor de Direito de Trânsito.
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