O curso de reciclagem é uma penalidade de trânsito acessória com previsão legal estabelecida no artigo 256, do Código de Trânsito Brasileiro e deve ser aplicada quando, sendo contumaz, for necessário à sua reeducação; quando suspenso do direito de dirigir; quando se envolver em acidente grave para o qual haja contribuído, independentemente de processo judicial; quando condenado judicialmente por delito de trânsito; a qualquer tempo, se for constatado que o condutor está colocando em risco a segurança do trânsito; em outras situações a serem definidas pelo CONTRAN.
Também pode ser aplicada de forma preventiva, de acordo com o artigo 261, parágrafo 5º, do Código de Trânsito Brasileiro, sendo que nesses casos, basta a realização do curso eliminando a obrigatoriedade de cumprir a suspensão do direito de dirigir.
Esse direito de frequentar o curso preventivamente, que atualmente está restrito a condutores habilitados nas categorias “C”, “D” e “E”, foi modificado pelo PL 3267, tornando mais abrangente a norma.
Não há, para efeitos do curso de reciclagem, qualquer restrição de categoria de habilitação com a nova redação, bastando que o condutor exerça atividade remunerada ao veículo.
Você pode argumentar que não, que a regra remete aos condutores de categorias “C, D e E”, já que para esses profissionais é exigido, além dos cursos especiais, o exame toxicológico para a renovação da carteira e periodicamente após a renovação, sob pena inclusive de suspensão do direito de dirigir.
Pode argumentar, ainda, que as categorias “C”, “D” e “E” são categorias para condutores profissionais de veículos de grande porte e a norma contida no curso de reciclagem preventivo remete a esses motoristas.
Apesar desse conceito estar relativamente correto, o que define um motorista profissional, entretanto, é o exercício da atividade remunerada em veículo automotor, tornando essa atividade a sua PROFISSÃO, independentemente do tipo de veículo conduzido.
Aliás, a própria Lei trata de regulamentar a profissão de taxistas, motoboys e motofrete, mototaxista, motoristas de entrega de cargas em veículos de pequeno porte, etc., atribui a cada tipo de profissão uma exigência específica, como a frequência em cursos de capacitação, utilização de equipamentos específicos em seus veículos e até mesmo tipo de vestuário que facilitem sua identificação profissional.
Nesse sentido, guardadas as diferenças técnicas de cada categoria de habilitação, os requisitos para sua aquisição e os veículos que conduzem, não há diferença entre condutores que utilizam o veículo para exercer atividade remunerada. Todos dependem da habilitação para auferir renda.
De fato, ao alterar a Lei de trânsito, o legislador beneficiou todos os PROFISSIONAIS do trânsito, ao estabelecer que o condutor que exerce atividade remunerada tem o direito de participar do curso preventivo de reciclagem, eliminando o excesso de pontos de sua habilitação antes mesmo de ter o direito de dirigir suspenso.
A “atividade remunerada” é um conceito amplo, que pode ser exercida em motocicletas (motoboy, motofrete, mototaxi), em veículos pequenos de carga (distribuição rápida de mercadoria, fretes, entregas), em automóveis (taxi, uber, chofer) e uma infinidade de serviços que não necessitam categorias mais elevadas de habilitação, exigindo apenas categorias “A” e “B”.
A redação do artigo 261, portanto, tornou a norma mais equitativa.
Limitar o curso preventivo apenas a condutores com categorias “C, D e E” além de desigual, torna a aplicação da pena desproporcional e desarrazoada, além de ferir também o direito constitucional ao exercício do trabalho aos demais profissionais.
Por exemplo, um motociclista que exerça atividade como mototaxista, que tenha a categoria “AC”, nas regras atuais, pode frequentar o curso preventivo de reciclagem ao atingir 14 (catorze) pontos, eliminando os pontos de seu prontuário, ao mesmo tempo em que outro motociclista, que exerça atividade remunerada como mototaxista na mesma empresa mas que possua habilitação apenas nas categorias “AB”, estaria impedido de frequentar o mesmo curso.
Parece razoável?
Claro que não.
Nesse sentido, cabe analisar qual é a finalidade da alteração promovida no artigo 261, do Código de Trânsito Brasileiro, pois, ao que parece, o legislador, ao editar as regras do curso preventivo de reciclagem, quis evitar que motoristas “profissionais” fossem penalizados com a suspensão do direito de dirigir, justamente por conta da utilização do veículo para auferir sua renda.
É certo que os órgãos executivos de trânsito tenderão a analisar a norma de forma restritiva em relação a presença de condutores que tenham categoria “A” e “B” nos cursos preventivos, entretanto, a negativa ao pedido do condutor dá ensejo à busca por esse direito na via judicial.
Destarte, a classe de motoristas que não dizem respeito ao transporte de cargas ou passageiros, como uberes, 99 taxis e outros similares, tem sofrido com o (pré) conceito dos órgãos de trânsito, que tentam diminuir os direitos desses condutores, impondo restrições ao uso desses veículos, obrigação de utilizar veículos com placa de aluguel, realização de cursos especializados ou mesmo submissão a exames toxicológicos, sem que tais exigências estejam previstas em Lei.
Agora, diante do evidente benefício, não há justificativas para que o texto da Lei seja deturpado, ainda que a justificativa seja que o excesso de pontos estimula o cometimento das infrações, porque, em verdade, o que define um condutor infrator não é a flexibilidade da norma e sim a deficiência de sua educação.
* O autor encoraja o uso desse texto para fins científicos e acadêmicos, desde que devidamente citada a fonte.
VAGNER OLIVEIRA é advogado especializado em Direito de Trânsito, professor do curso “Prática Forense no Direito de Trânsito”, autor do livro “Infrações de trânsito sob a ótica do defensor de condutores” e colunista da revista “Trânsito e Direito”.
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