EVASÃO DE PEDÁGIO FOTOGRAFADA POR CELULAR

Não há como negar que os aparelhos portáteis de tablet e celulares ocupam cada vez mais o lugar de outros aparelhos eletrônicos, como a televisão, o aparelho de som, câmeras fotográficas, computadores, videogames e uma enormidade de outros sistemas que estão gradativamente caindo em desuso.

Carteira de habilitação, titulo de eleitor, cartão de crédito, lojas virtuais, livrarias, tudo na palma da mão.

Não é de se estranhar que a fiscalização de trânsito também caminhe nessa direção. Devemos nos acostumar com agentes de trânsito portando TABLETS em vez de um talão de multas, lavrando a autuação já com fotos que comprovam a infração, o que certamente vai reduzir os argumentos de quem desejar recorrer contra a penalidade.

E isso já vem acontecendo.

Vou citar como exemplo um cliente, transportador autônomo de cargas, que foi multado 21 (vinte e uma) vezes por evasão de pedágiotodas fotografadas com a utilização de TABLET e CELULAR, totalizando um pouco mais de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) em multas.

No entanto o valor das multas não era realmente o que estava lhe tirando o sono.

O acúmulo de pontos em seu prontuário inevitavelmente conduziria à suspensão do direito de dirigir por pelo menos 6 (seis) meses, o que lhe traria enormes prejuízos, pois além de perder a sua renda mensal ainda teria que contratar um motorista para realizar as viagens enquanto estivesse com a habilitação suspensa.

Outro detalhe é que provavelmente teria ficado mais barato pagar todos os pedágios do que os honorários administrativos para recorrer de todas as multas, já que uma assessoria de trânsito cobra, em média R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais) numa situação como essa.

Aliás, para aqueles que trabalham com a defesa de condutores, essa é uma excelente oportunidade, pois segundo informa o DER/SP as multas por evasão de pedágio aumentaram cerca de 500% entre novembro de 2017 e maio de 2018, o que representa quase 60.000 multas só no estado de São Paulo.

Mas será que uma infração por evasão de pedágio pode ser constatada por CELULARES ou TABLETS?

A resposta é NÃO.

tablet

E qual seria a melhor estratégia de defesa nesse caso?

Primeiramente, para que possa comprovar uma infração, o equipamento deve ser homologado pelo CONTRAN, nos termos do artigo 280, do CTB:

Art. 280, § 2º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN.

A regulamentação de aparelhos não metrológicos, aqueles que não dependem de medição de valores para constatar a infração (sinal vermelho, parar sobre a faixa de pedestre, transitar em faixa exclusiva, transitar em locais e horários não permitidos, executar conversão ou retorno em local proibido, evasão de área de pesagem ou pedágio), foi feita de forma geral pela Resolução 165, alterada pelas Resoluções 174 e 458, todas do CONTRAN:

Art. 1º. A utilização de  sistemas automáticos não metrológicos  de fiscalização pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Trânsito – SNT, nos termos do § 2º do art. 280 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, deve atender ao disposto nesta resolução.

“Art.1º-A. Os sistemas automáticos não metrológicos de fiscalização são compostos por instrumentos ou equipamentos, com registrador de imagem, dos seguintes tipos:

I – Fixo: instalado em local definido e em caráter permanente;

II – Estático: instalado em veículo parado ou em suporte apropriado;

III – Móvel: em veículo em movimento, procedendo à fiscalização ao longo da via;

IV – Portátil: direcionado manualmente para o veículo alvo.

Logo, a utilização de aparelhos de TABLET e CELULARES estaria pautada por essa Resolução, já que se trata de APARELHOS PORTÁTEIS que podem ser direcionados manualmente para o veículo infrator.

Entretanto, a infração por evasão de pedágio,  tipificada no artigo 209, deve ser analisada em conjunto com a Portaria 179/2015, do DENATRAN, que trata especificamente da comprovação desse tipo de infração:

Portaria 179/2015

Art. 1º Estabelecer os requisitos específicos mínimos do sistema automático não metrológico para a fiscalização da infração “evadir-se para não efetuar o pagamento do pedágio”, prevista no art. 209 do CTB.

Observe que a Portaria estabelece requisitos para o SISTEMA AUTOMÁTICO de fiscalização da infração. Esses sistema deve ser constituído por módulo detector veicular e registrador de imagem que não necessite da interferência do operador em qualquer das fases do seu funcionamento.

Necessitando da interferência de um operador o equipamento DEIXA DE SER AUTOMÁTICO.

Nesse sentido, equipamentos como TABLETS, CELULARES, CÂMERAS FOTOGRÁFICAS ou qualquer outro aparelho que dependa da interferência direta de seu operador para registrar a imagem do veículo, não são sistemas automáticos, o que os torna IMPRESTÁVEIS para fiscalizar as infrações por evasão de pedágio.

De outro lado, tanto a Resolução 165, do CONTRAN como a Portaria 179/2015, estabelecem que:

Resolução 165

Art. 2º. O sistema automático não metrológico de fiscalização deve:

I – ter sua conformidade avaliada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – Inmetro, ou entidade por ele acreditada;

II – atender aos requisitos específicos mínimos para cada infração a ser detectada, estabelecidos pelo órgão máximo executivo de trânsito da União.

Art. 3º. O Inmetro disporá sobre a fiscalização do funcionamento do sistema automático não metrológico de fiscalização no local de sua instalação.

Portaria 179/2015

Art. 5º Os sistemas instalados estarão sujeitos à fiscalização do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – INMETRO ou entidade por esse acreditada.

Parágrafo único. A Autoridade de Trânsito com circunscrição sobre a via deverá encaminhar ao INMETRO, ou entidade por esse acreditada, a relação da localização dos sistemas automáticos não metrológicos de fiscalização ativos, atualizando-a sempre que ocorrer alteração.

A regulamentação diz respeito a aparelhos instalados em locais específicos na via, a serem fiscalizados no local de sua instalação pelo INMETRO, que deve manter uma relação da localização desses sistemas. Ou seja, a regulamentação não se aplica a aparelhos portáteis.

Assim, diante da falta de regulamentação, não é possível a fiscalização da infração por evasão de pedágios através de TABLETS e CELULARES.

Outrossim, para que seja considerado como sendo um SISTEMA AUTOMÁTICO para fiscalização da infração por “evasão de pedágio”, o equipamento ou instrumento deve registrar:

Resolução 165:

Art. 4º. A imagem detectada pelo sistema automático não metrológico de fiscalização deve permitir a identificação do veículo e, no mínimo:

I – Registrar:

a) Placa do veículo;

b) Dia e horário da infração;

II – Conter:

a) Local da infração identificado de forma descritiva ou codificado;

b) Identificação do sistema automático não metrológico de fiscalização utilizado, mediante numeração estabelecida pelo órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via.

Portaria 179/2015:

Art. 6º O sistema automático não metrológico de fiscalização dos veículos que se evadirem para não efetuar o pagamento do pedágio deverá registrar:

I – uma ou mais imagens panorâmicas que caracterize a infração, mostrando o dispositivo luminoso e o veículo;

II – uma imagem adicional para identificar a placa do veículo, se necessário.

Parágrafo único. A(s) imagem(ns) panorâmica(s) deve(m) mostrar a seção transversal da via, de forma a visualizar a(s) faixa(s) de tráfego do local fiscalizado.

Todos as informações são obrigatórias, não havendo discricionariedade para o órgão de trânsito. Logo, a ausência de um desses requisitos torna nula a autuação. 

Ademais, é impossível que um TABLET ou CELULAR registre imagens panorâmicas do local, pois se limitam a fotografar a placa do veículo que “supostamente” cometeu a infração, sem que seja possível identificar a via ou as faixas de trânsito fiscalizadas.

Por fim, como são aparelhos portáteis, dependem da presença do agente fiscalizador no local da infração, operando tais aparelhos:

Resolução 165

Art. 5º. Compete à autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via dispor sobre a localização, instalação e operação do sistema automático não metrológico de fiscalização.

Parágrafo único. Quando utilizado o sistema automático não metrológico de fiscalização, não é obrigatória:

I – a utilização de sinalização vertical de indicação educativa prevista no anexo II do CTB;

II – a presença da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito no local da infração, quando fixo ou estático.

Portaria 179/2015

Art. 7º Não é obrigatória a presença da Autoridade de Trânsito ou do Agente da Autoridade de Trânsito no local da infração a que se refere o art. 1º, quando utilizado sistema não metrológico de fiscalização que atenda aos termos desta Portaria.

Mas o que se tem visto na prática é que esses aparelhos estão sendo operados por TERCEIROS, funcionários da empresa concessionária de pedágios, que encaminharam as imagens à autoridade de trânsito para a lavratura da autuação.

Não se trata, pois, de agente da autoridade presente no local. Vejam esses dois exemplos:

agente

O mesmo agente de trânsito, no mesmo dia, em horários simultâneos, autuando em dois locais distintos. Evidentemente não se trata de agente de trânsito constatando a infração no local onde foi cometida e sim de informações repassadas a este agente.

Impossível que o mesmo agente esteja em dois locais ao mesmo tempo. 

Nesse sentido, o Código de Trânsito Brasileiro não autoriza a constatação da infração por TERCEIROS, ainda que a autuação seja lavrada por agente de trânsito competente:

Art. 280, § 2º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN.

§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.

Isso tudo nos leva a uma conclusão bastante óbvia:

Autuações por evasão de pedágio constatadas por TABLETS ou CELULARES são ILEGAIS e devem ser canceladas

Essa é uma das teses que fazem parte do curso “COMO MONTAR UM ESCRITÓRIO DE RECURSOS DE MULTAS”.

* O autor incentiva a utilização deste artigo em peças e projetos de cunho acadêmico e educativo, desde que devidamente citada a fonte.

VAGNER OLIVEIRA. Advogado de Trânsito. Fundador da Academia do Direito de Trânsito. Professor do Curso “Suspensão e Cassação de Habilitação” e “Como montar um Escritório de Recursos de Multa”. Autor do livro digital “Coletânea de Jurisprudências de Direito de Trânsito”.

Como citar este artigo: OLIVEIRA, Vagner Luciano. Evasão de pedágio fotografada por celular. Disponível em: https://academiadodireitodetransito.com/2018/07/05/evasao-de-pedagio-fotografada-por-celular. Acessado em dd/mmm/aaaa.

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6 comentários em “EVASÃO DE PEDÁGIO FOTOGRAFADA POR CELULAR

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  1. ☝☝☝☝☝☝☝☝☝☝☝☝☝

    Olá boa tarde Dr. Vagner Oliveira.

    Gostaria tirar uma dúvida a cerca da resolução 165 equipamentos não metodológicos de fiscalização.

    A dúvida que paira é justamente sobre a necessidade de aferição no prazo de 12 meses pelo Inmetro ou entidade delegada.

    A jurisprudência tem exigido essa aferição anual dos equipamentos não metodológicos de fiscalização como forma de validar o ato administrativo.

    Pesquisei nas resoluções, portarias e deliberações do Denatran e Contran e não encontrei nada a respeito.

    Pesquisei no sítio do Inmetro e nenhuma resposta positiva.

    Como ficaria essa situação?

    É ou não é obrigatório a aferição do equipamento no prazo máximo de 12 meses?

    Aferição anual.

    Fico nonaguardo de uma resposta.

    *Ancioso para receber o e-book*

    Rsrsrsrsrsrsrsrs

    Curtido por 1 pessoa

    1. Olá, Anderson. O problema da Resolução 165 é justamente que não traz qualquer previsão a respeito da fiscalização anual, diferentemente de outros aparelhos metrológicos. Assim, se não está estipulado em Lei, não se pode exigir esse requisito. A jurisprudência (minoria) decide com base na analogia de outras resoluções, como a do radar e do etilômetro, entretanto, penso não ser exigível. Abraço.

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  2. Muito boa, vai nos ajudar e muito. Ainda não apareceu nenhuma autuação utilizando aparelhos como os mencionados, mas, já estamos nos prevenindo.

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    1. Olá, Wagner.

      Vou te sugerir que entre em contato com os sindicatos e associações de transportadores autônomos de sua cidade, pois certamente eles terão associados que já foram autuados nesse tipo de infração e se não tiverem, saberão que você recorre multas de trânsito, o que aumenta a chance de firmar parcerias com esse setor. Abraço.

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