EMENTA: PSDD. INFRAÇÃO ESPECÍFICA. REGRAS DA CONCOMITÂNCIA. ARTIGO 261, DO CTB. PROCESSO ÚNICO. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. APLICAÇÃO DE PENALIDADE. EXISTENCIA DE DUAS PENALIDADES DIVERSAS. IMPOSSIBILIDADE DE UM ÚNICO PROCESSO APÓS A FASE INAUGURAL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. VIOLAÇÃO AO PRINCIPIO DA IGUALDADE. ILEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO EVIDENCIADA.
Autor: Vagner Oliveira
RESUMO
O presente artigo se destina a realização de uma análise jurídica sobre o processo de suspensão do direito de dirigir, decorrente de infração específica, instaurado em processo único para aplicação tanto da penalidade de multa quanto da penalidade de suspensão do direito de dirigir.
Essa previsão de um único processo, apesar de possuir uma previsão em regulamentação específica, qual seja a Resolução 723, do CONTRAN, fere, ao meu ver, o princípio da legalidade administrativa, na medida em que estipula uma nova modalidade de procedimentos sem a devida previsão legal, o que contribui para a violação ao direito de ampla defesa do condutor penalizado, ferindo, inclusive, o princípio da igualdade, posto que diminui as possibilidades de defesa do condutor infrator que figure como proprietário do veículo em relação àqueles que conduzem veículos registrados em nome de terceiros.
Abstract
This article is intended to carry out a legal analysis of the process of suspension of drive license, resulting from a specific infraction, established in a single process for the application of both the fine penalty and the penalty for suspension of the drive license.
This provision of a single process, despite having a provision in a specific regulation, namely Resolution 723, of CONTRAN, violates, in my view, the principle of administrative legality, insofar as it stipulates a new modality of procedures without due legal provision, which contributes to the violation of the penalized driver’s right to ample defense, even violating the principle of equality, since it reduces the possibilities of defense of the offending driver who appears as the property of the vehicle in relation to those who drive registered vehicles on property of third parties.
Introdução
A suspensão do direito de dirigir corresponde a uma restrição de uso do veículo em via pública pelo condutor por um determinado período. É perda do direito de utilizar o documento de habilitação, não perdendo, contudo, o infrator, sua condição de condutor habilitado.
Essa restrição temporária pode ocorrer em duas situações:
- Quando o infrator atingir uma pontuação máxima em seu prontuário de condutor;
- Quando o condutor cometer infrações para as quais a penalidade esteja prevista de forma específica.
Para o presente estudo importa a analise dessa última modalidade de suspensão, na qual o artigo tipificado como sendo uma infração de trânsito traz simultaneamente as penalidades de multa e suspensão do direito de dirigir.
Nesses casos, o processo administrativo punitivo deve ser instaurado de forma concomitante para a aplicação de ambas as penalidades, conforme previsão contida no artigo 261, em seu parágrafo 10º.
Ocorre que o CONTRAN, ao regulamentar o tema através de sua Resolução 723, trouxe a previsão da instauração do processo único, cujo procedimento para aplicação das penalidades deve ocorrer de forma similar ao processo de multa, obedecendo todos os ritos procedimentais previstos na Resolução 918.
Importa saber, portanto, se essa modalidade de processo único possui previsão legal, qual a sua aplicação no tempo e espaço, efeitos e consequências, além dos procedimentos que devem ser observados pelos órgãos de trânsito para a imposição da penalidade.
Lembrando que a regra da concomitância só vale para processos onde a autuação foi praticada pelo órgão executivo de trânsito estadual, já que para os demais órgãos, a regra somente valerá a partir de 2024.
O Princípio da Legalidade do Ato Administrativo
Constitui infração de trânsito a inobservância de qualquer preceito instituído pelo Código de Trânsito Brasileiro e o infrator sujeita-se às penalidades e às medidas administrativas indicadas em cada artigo tipificado como sendo uma infração de trânsito.
Da mesma forma, mas sem autonomia de vontade, o órgão administrativo de trânsito deve seguir, fielmente, as normas previstas no Código de Trânsito Brasileiro para a aplicação das penalidades.
Trata-se, portanto, da regra mais elementar do ordenamento jurídico brasileiro, prevista no Art. 5º, II, da CRFB, que diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”[1] e ainda no Art. 5º. XXXIX, que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, pedra angular do Estado de direito e garantidor da segurança jurídica, intitulado como princípio da legalidade.
Para Marcelo Alexandrino & Vicente Paulo[2], o princípio da legalidade tem aplicação diferenciada para a Administração Pública e para o Administrado, sendo que a interpretação para aquele deve ser sempre mais restrita do que para este:
Deveras, para os particulares a regra é a autonomia da vontade, ao passo que a Administração Pública não tem vontade autônoma, estando adstrita à lei […]. Essa é a principal diferença do princípio da legalidade para os particulares e para a Administração. Aqueles podem fazer tudo o que a lei não proíba; esta só pode fazer o que a lei determine ou autorize. Inexistindo previsão legal, não há possibilidade de atuação administrativa.
O princípio constitucional da legalidade é princípio essencial, específico e informador do Estado de Direito, que o qualifica e lhe e lhe dá identidade[3], tratando-se de verdadeira limitação ao poder do Estado, vinculando-o à estrita previsão legal.
A legalidade, como princípio da administração, significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.[4]
Significa, enfim, que todo agir do órgão administrativo deve ocorrer ao lume da previsão legal, não possuindo nenhuma vontade ou liberdade, sob pena de praticar ato inválido, comprometendo a finalidade pretendida pela Lei.
Destarte, o Código de Trânsito Brasileiro estabelece todas as regras gerais ou específicas que devem ser observadas tanto pelos condutores, em relação à circulação e condições para o trânsito de veículos, quanto pelos órgãos de trânsito em relação à constatação das infrações, notificação dos condutores e aplicação das penalidades, cabendo ao CONTRAN apenas regulamentar os procedimentos já existentes.
Aliás, essa delimitação de competência é prevista no próprio Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 12. Compete ao CONTRAN:
VIII – estabelecer e normatizar os procedimentos para o enquadramento das condutas expressamente referidas neste Código, para a fiscalização e a aplicação das medidas administrativas e das penalidades por infrações e para a arrecadação das multas aplicadas e o repasse dos valores arrecadados;
Assim, toda vez que o Código de Trânsito Brasileiro trouxer uma previsão genérica sobre determinado tema, compete ao CONTRAN apenas regulamentar a matéria, não podendo criar novas formas de sanção ou procedimentos, sob pena de violar o princípio da legalidade do ato administrativo.
Segundo enfatiza Arnaldo Rizzardo:
Mesmo que se queira emprestar força de lei às resoluções, não se pode negar que tais atos normativos não se revelam lei em sentido estrito. Não possuem o condão de inovar a ordem jurídica, ou de ampliar o direito positivo vigente. (RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao código de trânsito brasileiro. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, 379)
Feitas essas considerações, importa saber se o processo único para a aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir possui ou não previsão legal.
Processo ÚNICO para as penalidades ou PENALIDADE única?
Mas, antes de adentrarmos ao tema da previsão legal, convém afirmar que não estamos falando de uma penalidade única e sim da aplicação de duas penalidades através de um único processo punitivo.
Esse entendimento foi estabelecido pelo CONTRAN, através de sua Resolução 723, que diz:
Art. 8º Para fins de cumprimento do disposto no inciso II do art. 3º, o processo de suspensão do direito de dirigir deverá ser instaurado da seguinte forma:
I – para as autuações de competência do órgão executivo de trânsito estadual de registro do documento de habilitação do infrator, quando o infrator for o proprietário do veículo, será instaurado processo único para aplicação das penalidades de multa e de suspensão do direito de dirigir, nos termos do § 10 do art. 261 do CTB;
Já foi dito que a suspensão do direito de dirigir corresponde a uma restrição temporária no uso do documento de habilitação, sem que o infrator perca a sua qualidade de condutor habilitado, ao passo que a penalidade de multa corresponde uma sanção pecuniária administrativa, ou seja, é aplicada pela autoridade de trânsito e se constitui em um débito patrimonial lançado no prontuário do veículo e não ao infrator, propriamente dito. Dessa forma, possui natureza jurídica propter rem, ou seja, sempre acompanha o bem móvel (veículo) e pode ser aplicada tanto às pessoas físicas quanto às pessoas jurídicas e serem lançadas como dívida ativa, no caso de falta de pagamento.
Essa distinção entre as penalidades é importantíssima, pois estamos falando de 3 (três) registros de informações, decorrentes do cometimento de uma infração de trânsito: 1. O sistema RENAINF – Registro Nacional de Infrações de trânsito, que permite a notificação da infração e arrecadação de valores; 2. O sistema RENAVAM – Registro Nacional de Veículos automotores, que permite o lançamento das multas vinculadas ao licenciamento do veículo; 3. O sistema RENACH – Registro Nacional de Condutores Habilitados.
Não existe, pois, um sistema unificado para o lançamento das informações, o que já contribui para o surgimento de uma problemática em relação ao processo único, a saber:
Para onde serão encaminhadas as notificações de cometimento da infração, instauração do processo de suspensão do direito de dirigir e aplicação dessas penalidades?
Ora, se é um processo ÚNICO, devem as notificações serem encaminhadas para apenas um endereço.
Só que, não há na legislação de trânsito uma regra que determine que o endereço do proprietário do veículo automotor também deva ser o seu endereço de condutor.
Explico.
Existe em nosso ordenamento jurídico as definições de residência e domicilio, cujos conceitos estão estabelecidos em nosso Código Civil:
Art. 70, CC. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.
Art. 71, CC. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.
Art. 72, CC. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.
A residência é, portanto, onde a pessoa mora com ânimo permanente, sendo o domicílio onde exerce sua atividade profissional.
Diante desse contexto, uma pessoa que tenha a qualidade de proprietário de veículo automotor ao mesmo tempo em que figura como condutor habilitado de veículos automotores, pode ter dois endereços distintos de mesmo domicílio.
Por exemplo: Eu sou advogado e tenho meu escritório profissional separado de minha residência, sendo que meu veículo automotor está registrado (RENAVAM) no meu endereço de domicílio enquanto minha carteira de motorista (RENACH) está cadastrada no endereço da minha residência.
Suponhamos, portanto, que eu cometa uma infração de trânsito por embriaguez ao volante, constatada pela Policia Militar e cuja competência de autuação e aplicação de ambas as penalidades, de multa e de suspensão, são do DETRAN. Para qual endereço será expedida a notificação desse processo único?
Lembrando que a penalidade de multa é vinculada ao endereço do veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas:
Art. 131. O Certificado de Licenciamento Anual será expedido ao veículo licenciado, vinculado ao Certificado de Registro de Veículo, em meio físico e/ou digital, à escolha do proprietário, de acordo com o modelo e com as especificações estabelecidos pelo Contran.
1º O primeiro licenciamento será feito simultaneamente ao registro.
2º O veículo somente será considerado licenciado estando quitados os débitos relativos a tributos, encargos e multas de trânsito e ambientais, vinculados ao veículo, independentemente da responsabilidade pelas infrações cometidas.
A regra pressupõe que as notificações das autuações devem sempre serem enviadas para o endereço do proprietário do veículo e não do condutor, corroborada pelo artigo 282, do Código de Trânsito Brasileiro, que diz:
Art. 282, § 3º Sempre que a penalidade de multa for imposta a condutor, à exceção daquela de que trata o § 1º do art. 259, a notificação será encaminhada ao proprietário do veículo, responsável pelo seu pagamento.
Entretanto, não podemos nos esquecer que a penalidade de suspensão afeta diretamente o documento de habilitação e em tese, essa penalidade é mais gravosa do que a de multa.
E diante dessa condição, seria obrigatório a expedição da notificação ao endereço do condutor.
Para ilustrar essa condição, cita-se o artigo 265, do Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 265. As penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa.
Percebe-se que a regra é que o direito de ampla defesa deve ser assegurado ao infrator que esteja respondendo ao processo de suspensão ou cassação do documento de habilitação, o que pressupõe a expedição da notificação ao endereço do condutor.
Aparentemente, as regras não comportam uma unicidade de processo, quando o endereço de registro do veículo divergir do endereço de registro da CNH.
No exemplo dado, se for enviada a notificação de processo único para o meu domicilio e porventura ocorra um “incidente de notificação”, correndo o processo à revelia, haverá prejuízo ao meu direito de ampla defesa por não ter sido enviada a notificação para o endereço de minha residência, onde está cadastrada a CNH ou não?
Me parece que sim, ainda que não exista distinção entre proprietário e condutor.
Havendo endereços distintos, entre o cadastro de RENAVAM e o cadastro do RENACH, devem ser expedidas duas notificações: Uma de autuação por infração de trânsito ao endereço do veículo outra de instauração do processo de suspensão ao endereço da carteira de habilitação.
E isso, porque estamos falando de domicilio e residência na mesma cidade, mas pode ocorrer de serem estabelecidos em cidades diferentes.
DA PREVISÃO LEGAL
A essa altura, já poderíamos admitir que não há como estabelecer a característica de unicidade para aplicação de duas penalidades distintas.
Entretanto, para dirimir a dúvida, temos que analisar o artigo 261, em seu parágrafo 10º, para entender se existe ou não a possibilidade de instauração de um processo único para aplicação das penalidades de multa e suspensão.
Diz o artigo 261:
Art. 261. A penalidade de suspensão do direito de dirigir será imposta nos seguintes casos:
II – por transgressão às normas estabelecidas neste Código, cujas infrações preveem, de forma específica, a penalidade de suspensão do direito de dirigir.
10. O processo de suspensão do direito de dirigir a que se refere o inciso II do caput deste artigo deverá ser instaurado concomitantemente ao processo de aplicação da penalidade de multa, e ambos serão de competência do órgão ou entidade responsável pela aplicação da multa, na forma definida pelo Contran.
Vamos extrair do texto três palavras-chave: 1. Concomitantemente; 2. Aplicação da penalidade e; 3. Instaurado.
Concomitante, segundo o dicionário Michaelis da língua portuguesa, significa simultâneo, algo acessório que acompanha a coisa principal.
Não existe, pois, simultaneidade em um processo único.
Esse sentido de duplicidade de processos ganha mais força quando comparamos com o significado contido no Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, que trata das chamadas “infrações simultâneas”:
As infrações simultâneas podem ser concorrentes ou concomitantes:
São concorrentes aquelas em que o cometimento de uma infração, tem como consequência o cometimento de outra. Por exemplos: ultrapassar pelo acostamento (art. 202) e transitar com o veículo pelo acostamento (art. 193).
Nestes casos o agente deverá fazer um único AIT que melhor caracterizou a manobra observada.
São concomitantes aquelas em que o cometimento de uma infração não implica no cometimento de outra na forma do art. 266 do CTB. Por exemplo: deixar de reduzir a velocidade do veículo de forma compatível com a segurança do trânsito ao ultrapassar ciclista (art. 220, XIII) e não manter a distância de 1,50m ao ultrapassar bicicleta (art. 201). (Resolução 925, CONTRAN, volume I, p. 09)
Partindo de uma interpretação sistemática, da mesma forma que a concomitância em relação às infrações diz respeito a duas condutas distintas, mas ocorridas ao mesmo tempo, a concomitância prevista no artigo 261, § 10º do Código de Trânsito Brasileiro diz respeito a dois processos distintos, iniciados ao mesmo tempo.
Caso contrário, estaríamos falando de processos concorrentes, onde um seria consequência do outro e nesse caso, seria possível instaurar um único processo, da mesma forma que ocorre nas infrações de trânsito, onde é lavrado um único auto de infração.
Mas, onde se fundamenta a previsão de um único processo para ambas as penalidades?
A resposta está justamente na segunda palavra-chave, Aplicação da penalidade.
A aplicação da penalidade é o segundo procedimento administrativo que deve ser adotado pela autoridade de trânsito no decorrer do processo, representando a primeira instancia recursal.
É nesse momento em que a penalidade é confirmada pela autoridade de trânsito, abrindo o prazo para recurso à JARI.
No processo administrativo de trânsito, a aplicação da penalidade ocorre após a verificação da regularidade do auto de infração e da expedição da primeira notificação no prazo de 30 (trinta) dias pela autoridade de trânsito:
Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.
Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:
I – se considerado inconsistente ou irregular;
II – se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação.
É de se observar que a regra não é específica para o processo de multa, já que o artigo 281 remete à “penalidade cabível”, ou seja, se do auto de infração se origina tanto a penalidade de multa quanto a penalidade de suspensão, seria perfeitamente possível a existência de um único processo administrativo para que a autoridade de trânsito julgue a consistência do auto de infração para a aplicação de ambas as penalidades.
Sendo declarada a inconsistência do auto de infração, a consequência é a nulidade de todos os seus efeitos, inclusive para as penalidades de suspensão do direito de dirigir ou cassação da habilitação.
Cita-se decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que diz:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL NO ACÓRDÃO. RECURSO INOMINADO TEMPESTIVO. ANULATÓRIA. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. PSDD E PCDD. AUSÊNCIA DE DUPLA NOTIFICAÇÃO. COMPROVADA A EXPEDIÇÃO DE NOTIFICAÇÃO (NAIT E NIP) APENAS PARA O PROPRIETÁRIO. […]. Prospera o recurso do autor, para que sejam declarados nulos os efeitos dos AITs, em razão da ausência de dupla notificação, o que acarreta a nulidade do PSDD e demais penalidades decorrentes destes. (TJ-RS – EMBDECCV: 71009173071 RS, Relator: Ana Lúcia Haertel Miglioranza, Data de Julgamento: 20/05/2020, Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública, Data de Publicação: 29/05/2020)
Logo, a aplicação da penalidade a que se refere o artigo 261, em seu parágrafo 10º, diz respeito à segunda notificação, posterior à análise do auto de infração para aplicação da penalidade, o que nos leva à última palavra-chave.
Instaurado é um termo exclusivo para a penalidade de suspensão do direito de dirigir.
Isso porque, no processo de multa é deflagrado pela autuação, que consiste em três etapas: 1. Constatação da infração; 2. Lavratura do auto de infração; 3. Notificação de autuação em 30 (trinta) dias e anotação no prontuário do veículo.
Já o processo de suspensão é instaurado por ato da autoridade de trânsito, com a respectiva anotação do ato instaurador no prontuário do infrator, nos termos do artigo 10º, da Resolução 723:
Art. 10. O ato instaurador do processo administrativo de suspensão do direito de dirigir de que trata esta Resolução, conterá o nome, a qualificação do infrator, a(s) infração(ões) com a descrição sucinta dos fatos e a indicação dos dispositivos legais pertinentes.
1º Instaurado o processo, far-se-á a respectiva anotação no prontuário do infrator, a qual não constituirá qualquer impedimento ao exercício dos seus direitos.
Resumindo, enquanto no processo administrativo de multa a primeira notificação está relacionada com a autuação, no processo administrativo de suspensão do direito de dirigir a primeira notificação está relacionada com a ciência do condutor a respeito da instauração do processo punitivo, depois de ter sido verificada a consistência do auto de infração.
Isso leva à conclusão de que é possível a existência de um processo único para a verificação da regularidade do auto de infração para a aplicação das penalidades, mas aplicada a penalidade de multa, não é possível a existência de um processo único para a aplicação também da penalidade de suspensão do direito de dirigir.
É o que se extrai do artigo 261, parágrafo 10º, do Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 261, § 10. O processo de suspensão do direito de dirigir a que se refere o inciso II do caput deste artigo deverá ser instaurado concomitantemente ao processo de aplicação da penalidade de multa, e ambos serão de competência do órgão ou entidade responsável pela aplicação da multa, na forma definida pelo Contran.
Aplicada a penalidade de multa, deve ser instaurado o processo de suspensão do direito de dirigir, conferindo ao condutor o prazo para defesa previa contra essa penalidade específica.
Caso o processo único seja utilizado para verificar a regularidade do auto de infração e aplicar ambas as penalidades, com um único prazo de defesa, restará violado o princípio da legalidade do ato administrativo, como também restará configurado o cerceamento de defesa do condutor contra a penalidade de suspensão do direito de dirigir, já que será suprimida a fase de defesa prévia daquele processo administrativo.
Aplicação da Regra do Processo Único no Tempo e Espaço
A essa altura já admissível concluirmos que é possível a existência de um único processo a fim de analisar a consistência do auto de infração para a aplicação das penalidades de multa e de suspensão do direito de dirigir.
Sendo considerado consistente o auto de infração, será aplicada a penalidade de multa, conferindo ao infrator o prazo para interposição de recurso à JARI, ao mesmo tempo em que será instaurado o processo de suspensão do direito de dirigir, conferindo-lhe prazo para apresentação de defesa prévia ao processo.
Assim, a duração do processo único estaria restrita à primeira fase processual, estando limitada no tempo pelo artigo 282, do Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 282. Caso a defesa prévia seja indeferida ou não seja apresentada no prazo estabelecido, será aplicada a penalidade e expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil que assegure a ciência da imposição da penalidade.
6º O prazo para expedição das notificações das penalidades previstas no art. 256 deste Código é de 180 (cento e oitenta) dias ou, se houver interposição de defesa prévia, de 360 (trezentos e sessenta) dias, contado:
I – no caso das penalidades previstas nos incisos I e II do caput do art. 256 deste Código, da data do cometimento da infração;
Não havendo a apresentação de defesa previa ao processo único, dentro do prazo máximo e improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias, a autoridade de trânsito deve aplicar a penalidade de multa, instaurando o processo de suspensão do direito de dirigir.
Havendo a apresentação a defesa prévia, esse prazo aumentará para 360 (trezentos e sessenta) dias.
Vejamos novamente o artigo 261, parágrafo 10º:
Art. 261, § 10. O processo de suspensão do direito de dirigir a que se refere o inciso II do caput deste artigo deverá ser instaurado concomitantemente ao processo de aplicação da penalidade de multa, e ambos serão de competência do órgão ou entidade responsável pela aplicação da multa, na forma definida pelo Contran.
Aplicada a penalidade de multa, deve ser instaurado o processo de suspensão do direito de dirigir.
Essa é a analise literal do texto.
E, enquanto a penalidade de multa é aplicada, extinguindo os prazos de preclusão e decadência, nasce para o processo de suspensão do direito de dirigir recém instaurado o prazo para a aplicação da penalidade:
6º O prazo para expedição das notificações das penalidades previstas no art. 256 deste Código é de 180 (cento e oitenta) dias ou, se houver interposição de defesa prévia, de 360 (trezentos e sessenta) dias, contado:
[…]
II – no caso das demais penalidades previstas no art. 256 deste Código, da conclusão do processo administrativo da penalidade que lhe der causa.
Em outras palavras, concluído o processo único, que dura somente até a aplicação da penalidade de multa, começa a fluir o prazo para a instauração e aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir.
Na prática, os DETRANS estão utilizando a regra do processo único como forma de aplicar ambas as penalidades num mesmo processo, ignorando as regras estabelecidas para a concomitância dos processos, o que representa uma afronta ao princípio da legalidade como também a violação do direito de ampla defesa do condutor.
Em uma última análise, a existência de um único processo administrativo viola também o princípio da igualdade, já que em situações similares, nas quais o condutor não figura como sendo o proprietário do veículo, haverá a possibilidade do dobro das instancias recursais, atuando o condutor em sede de defesa previa, recurso a JARI e recurso ao CETRAN, tanto no processo de multa quanto no processo de suspensão.
Ou seja, enquanto o proprietário infrator terá apenas 3 (três) possibilidades de defesa, o infrator que conduzia um veículo de terceiro terá 6 (seis) oportunidades de defesa, sendo que ambos cometeram a mesma infração.
Por essas razões, conclui-se pela ilegalidade do processo único que dure mais do que a primeira fase de aplicação da penalidade de multa.
Inaplicabilidade do Processo Único nas Notificações Eletrônicas
Questão que deve ser trazida à baila tem a ver com a possibilidade de instauração do processo único quando o proprietário do veículo optar pela chamada Notificação Eletrônica.
E, de antemão, digo que não há essa possibilidade.
A previsão da notificação por meio eletrônico está contida no artigo 282 e 284, do Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 282-A. O órgão do Sistema Nacional de Trânsito responsável pela autuação deverá oferecer ao proprietário do veículo ou ao condutor autuado a opção de notificação por meio eletrônico, na forma definida pelo Contran.
1º O proprietário e o condutor autuado deverão manter seu cadastro atualizado no órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal.
2º Na hipótese de notificação prevista no caput deste artigo, o proprietário ou o condutor autuado será considerado notificado 30 (trinta) dias após a inclusão da informação no sistema eletrônico e do envio da respectiva mensagem.
3º O sistema previsto no caput será certificado digitalmente, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).
[…]
Art. 284. O pagamento da multa poderá ser efetuado até a data do vencimento expressa na notificação, por oitenta por cento do seu valor.
1º Caso o infrator opte pelo sistema de notificação eletrônica, conforme regulamentação do Contran, e opte por não apresentar defesa prévia nem recurso, reconhecendo o cometimento da infração, poderá efetuar o pagamento da multa por 60% (sessenta por cento) do seu valor, em qualquer fase do processo, até o vencimento da multa.
[…]
5º O sistema de notificação eletrônica, referido no § 1º deste artigo, deve disponibilizar, na mesma plataforma, campo destinado à apresentação de defesa prévia e de recurso, quando o condutor não reconhecer o cometimento da infração, na forma regulamentada pelo Contran.
Segundo a definição do CONTRAN, contida na resolução 931, o Sistema de Notificação Eletrônica (SNE) é um meio de comunicação virtual que permite receber e enviar informativos, comunicados e documentos em formato digital, mediante adesão prévia.
Esse sistema possibilita receber a notificação de autuação de trânsito, apresentar condutor infrator e receber a notificação de aplicação de penalidade através de endereço eletrônico (e-mail) e aplicativo de celular (SMS), a respeito das autuações ocorridas no veículo.
Essa modalidade substitui qualquer outra forma de notificação, ou seja, tendo optado pela notificação eletrônica o proprietário ou condutor não receberá a notificação postal.
Mas, como bem demonstrado na legislação em apreço, o sistema é exclusivo para as notificações de autuação e aplicação da penalidade de multa, não sendo possível a utilização desse sistema para a aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir.
Tal hipótese restou confirmada pelo CONTRAN, na já citada Resolução 931, que diz:
Art. 4º Os órgãos e entidades integrantes do SNT devem disponibilizar e receber no SNE:
I – notificação de autuação;
II – notificação de penalidade de multa;
III – notificação de penalidade de advertência por escrito;
IV – interposição de defesa prévia;
V – interposição de recursos administrativos de infrações de trânsito;
VI – resultado de julgamentos;
VII – indicação de condutor infrator; e
VIII – resultado da identificação do condutor infrator.
Não há qualquer alusão à notificação eletrônica para os processos de suspensão e cassação de CNH, o que leva à conclusão de que, ainda que o proprietário/condutor opte por essa modalidade de notificação, tendo cometido uma infração que traga a previsão da suspensão do direito de dirigir de forma específica, este processo deverá ser instaurado em processo apartado, seguindo todos os trâmites previstos na Resolução 723, com notificação pessoal expedida via postal.
Isso quer dizer também que os prazos de preclusão podem não serem concomitantes, pois no caso de o proprietário deixar de apresentar defesa previa contra a penalidade de multa, mas apresentando ao processo de suspensão, para esse o prazo peremptório será de 360 (trezentos e sessenta) dias, enquanto para aquele, será de 180 (cento e oitenta) dias.
Outro detalhe é que, optando pelo SNE – Sistema de Notificação Eletrônica, o proprietário pode escolher abrir mão de seu direito de apresentar defesa previa e recurso à JARI, reconhecendo o cometimento da infração, para aproveitar o desconto de 40% para o pagamento dos valores da multa. Entretanto, tal reconhecimento não gera efeitos para o processo de suspensão do direito de dirigir.
Rito Procedimental
As normas sobre os procedimentos para a aplicação das penalidades de multa e suspensão do direito de dirigir, em processo único e de forma concomitante, seguem, portanto, duas regulamentações específicas: A Resolução 918, no que diz respeito à autuação e à aplicação da penalidade de multa e a Resolução 723, no que diz respeito à aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir.
Lembrando, o processo só pode ser único até a aplicação da penalidade de multa, devendo ser concomitante a partir de então.
Constatada a infração pela autoridade de trânsito ou por seu agente, deve ser lavrado o Auto de Infração de Trânsito – AIT, que deverá conter os dados mínimos definidos pelo art. 280 do Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:
I – tipificação da infração;
II – local, data e hora do cometimento da infração;
III – caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação;
IV – o prontuário do condutor, sempre que possível;
V – identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou equipamento que comprovar a infração;
VI – assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração.
Nos termos do inciso VI, havendo a abordagem do veículo e identificação do infrator pelo agente fiscalizador, o auto de infração vale como primeira notificação para a aplicação da penalidade de multa, sendo dispensável a expedição da notificação de autuação.
Esse entendimento foi consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. IMPOSIÇÃO DA MULTA PELA POLÍCIA RODOVIÁRIA ESTADUAL. QUESTÃO DECIDIDA COM BASE EM LEGISLAÇÃO LOCAL. SÚMULA 280/STF. AUTUAÇÃO IN FACIE. NOTIFICAÇÃO PARA DEFESA PRÉVIA. DESNECESSIDADE. REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. […] 3. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de ser desnecessária a realização da primeira notificação, isto é, aquela para apresentação da defesa prévia, nos casos em que a autuação in facie esteja acompanhada da assinatura do infrator e a conduta tenha sido praticada pelo proprietário do veículo ou quando a infração à norma de trânsito seja de responsabilidade exclusiva do condutor.(AgRg no AREsp n. 379.833/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 6/5/2014, DJe de 12/5/2014.)
Mas a regra não se estende às infrações que tragam a previsão da penalidade de suspensão de forma específica.
Isso porque, não há previsão de informações a respeito do processo único ou concomitante durante a autuação in facie.
Logo, é obrigatório a expedição da notificação de autuação ao proprietário do veículo, ainda que este tenha assinado o auto de infração.
E, expedida a notificação de autuação, esta deve conter a informação de que, sendo mantida a autuação (art. 281, CTB), serão iniciados os processos de aplicação da penalidade de multa e instauração do processo de suspensão do direito de dirigir de forma concomitante.
Essa previsão está contida na Resolução 723, ainda que de forma equivocada, em seu artigo 8º, que diz:
Art. 8º Para fins de cumprimento do disposto no inciso II do art. 3º, o processo de suspensão do direito de dirigir deverá ser instaurado da seguinte forma:
I – para as autuações de competência do órgão executivo de trânsito estadual de registro do documento de habilitação do infrator, quando o infrator for o proprietário do veículo, será instaurado processo único para aplicação das penalidades de multa e de suspensão do direito de dirigir, nos termos do § 10 do art. 261 do CTB;
II – para as demais autuações, o órgão ou entidade responsável pela aplicação da penalidade de multa, encerrada a instância administrativa de julgamento da infração, comunicará imediatamente ao órgão executivo de trânsito do registro do documento de habilitação, via RENAINF ou outro sistema, para que instaure processo administrativo com vistas à aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir.
Parágrafo único. Na hipótese prevista no inciso I do caput, o procedimento de notificação deverá obedecer às disposições constantes na Resolução CONTRAN nº 619, de 06 de setembro de 2016, e suas alterações e sucedâneas, devendo constar ainda:
I – na notificação de autuação: a informação de que, mantida a autuação, serão aplicadas as penalidades de multa e de suspensão do direito de dirigir;
II – na notificação de penalidade: as informações referentes à penalidade de multa e à penalidade de suspensão do direito de dirigir, nos termos do art. 15 desta Resolução.
Há que se observar que no texto da Resolução 723, o CONTRAN alterou a regra contida no artigo 261, do Código de Trânsito Brasileiro, possibilitando o entendimento de que o processo único pode ser utilizado durante todo o procedimento para a aplicação de ambas as penalidades.
Em verdade, a Resolução deveria repetir o texto legal e não alterá-lo, pois tal conduta representa uma violação ao princípio da legalidade do ato administrativo.
A notificação da penalidade, que é a segunda notificação obrigatória que inicia o prazo de recurso em 1ª instância à JARI, deveria informar sobre a instauração do processo de suspensão do direito de dirigir em processo concomitante à aplicação da penalidade de multa, nos termos do artigo 261, § 10º:
Art. 261, § 10. O processo de suspensão do direito de dirigir a que se refere o inciso II do caput deste artigo deverá ser instaurado concomitantemente ao processo de aplicação da penalidade de multa, e ambos serão de competência do órgão ou entidade responsável pela aplicação da multa, na forma definida pelo Contran.
Há, portanto, uma evidente inovação legislativa na Resolução 723, o que torna o processo ilegal, caso sejam aplicadas ambas as penalidades num único processo administrativo.
Fato é que, sendo expedida a notificação de autuação ao proprietário, esta deve conter a informação de que foi instaurado o processo único para análise da consistência do auto de infração, nos termos do artigo 281, do Código de Trânsito Brasileiro, trazendo a informação de que, sendo julgado consistente o AIT, será aplicada a penalidade de multa, sendo instaurado o processo de suspensão do direito de dirigir de forma concomitante.
A expedição da notificação de aplicação da penalidade de multa deve ocorrer observando os prazos contidos no artigo 282, do Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 282. Caso a defesa prévia seja indeferida ou não seja apresentada no prazo estabelecido, será aplicada a penalidade e expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil que assegure a ciência da imposição da penalidade.
6º O prazo para expedição das notificações das penalidades previstas no art. 256 deste Código é de 180 (cento e oitenta) dias ou, se houver interposição de defesa prévia, de 360 (trezentos e sessenta) dias, contado:
I – no caso das penalidades previstas nos incisos I e II do caput do art. 256 deste Código, da data do cometimento da infração;
Lembrando que, o descumprimento do prazo leva à decadência do direito de punir do órgão de trânsito autuante.
E, aplicada a penalidade de multa, deve ser instaurado o processo de suspensão do direito de dirigir (art. 261, § 10º), nos termos da Resolução 723, do CONTRAN:
Art. 5º As penalidades de que trata esta Resolução serão aplicadas pela autoridade de trânsito do órgão de registro do documento de habilitação, em processo administrativo, assegurados a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal.
[…]
Art. 10. O ato instaurador do processo administrativo de suspensão do direito de dirigir de que trata esta Resolução, conterá o nome, a qualificação do infrator, a(s) infração(ões) com a descrição sucinta dos fatos e a indicação dos dispositivos legais pertinentes.
1º Instaurado o processo, far-se-á a respectiva anotação no prontuário do infrator, a qual não constituirá qualquer impedimento ao exercício dos seus direitos.
2º A autoridade de trânsito deverá expedir notificação ao infrator, contendo no mínimo, os seguintes dados:
I – a identificação do infrator e do órgão de registro do documento de habilitação;
II – a finalidade da notificação, qual seja, dar ciência da instauração do processo administrativo para imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir por somatório de pontos ou por infração específica;
III – a data do término do prazo para apresentação da defesa;
[…]
4º A ciência da instauração do processo e da data do término do prazo para apresentação da defesa também poderá se dar no próprio órgão ou entidade de trânsito, responsável pelo processo, mediante certidão nos autos.
5º Da notificação constará a data do término do prazo para a apresentação da defesa, que não será inferior a 15 (quinze) dias contados a partir da data da notificação da instauração do processo administrativo.
Instaurar significa “dar inicio a algo que ainda não existia” e tal condição parece bastante evidente na Resolução 723.
Portanto, da instauração do processo de suspensão, que deve ocorrer quando da aplicação da penalidade de multa, deve ser possibilitado ao infrator o direito de apresentar a defesa, com prazo mínimo de 30 (trinta) dias.
Não apresentada a defesa, não conhecida ou não acolhida, nesse momento é que ocorrerá a aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir, a teor do artigo 14, da Resolução 723:
Art. 14. Não apresentada, não conhecida ou não acolhida a defesa, a autoridade de trânsito competente aplicará a penalidade de suspensão do direito de dirigir ou de cassação do documento de habilitação, conforme o caso.
Lembrando que, uma das analises possíveis para o processo único, é de que não há a aplicação do prazo de 180 (cento e oitenta) dias para a aplicação da penalidade, posto que não se trata de uma penalidade originando a suspensão e sim de uma infração que traz a penalidade prevista de forma concomitante.
Penso não ser essa a análise mais adequada.
Quando o Código de Trânsito Brasileiro trouxe a previsão da penalidade de suspensão do direito de dirigir de forma concomitante, já que existem artigos de infração que trazem ambas as penalidades ao mesmo tempo, a interpretação mais correta é de que, confirmada a consistência do auto de infração e aplicada a penalidade de multa, inicia-se o prazo de defesa previa contra a penalidade de suspensão do direito de dirigir, que atrai a mesma regra do artigo 282, prevista para a penalidade de multa.
A concomitância se revela, ainda que não estejam os processos em fases simultâneas.
Aplicada a penalidade, deve ser expedida a notificação ao infrator, com o prazo para recurso à JARI:
Art. 15. Aplicada a penalidade, a autoridade de trânsito competente deverá notificar o condutor informando-lhe:
[…]
V – a data limite para entrega do documento de habilitação físico ou para interpor recurso à JARI;
VI – a data em que iniciará o cumprimento da penalidade fixada, caso não seja entregue o documento de habilitação físico e não seja interposto recurso à JARI, nos termos do artigo 16 desta Resolução.
1º O prazo de que trata o inciso V não será inferior a 30 (trinta) dias.
Um detalhe que deve ser observado, é possível que o processo para a aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir seja finalizado antes do processo de multa, entretanto, a suspensão do direito de dirigir somente se torna obrigatória no RENACH após esgotadas todas as possibilidades de recurso contra a penalidade de multa, pois atrai a norma contida no artigo 290, do Código de Trânsito Brasileiro:
Art. 290. Implicam encerramento da instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades:
I – o julgamento do recurso de que tratam os arts. 288 e 289;
II – a não interposição do recurso no prazo legal; e
III – o pagamento da multa, com reconhecimento da infração e requerimento de encerramento do processo na fase em que se encontra, sem apresentação de defesa ou recurso.
Parágrafo único. Esgotados os recursos, as penalidades aplicadas nos termos deste Código serão cadastradas no RENACH.
Isso porque, caso a penalidade de multa seja considerada ilegal, a mesma vicissitude afetará a penalidade de suspensão, ainda que o processo tenha transitado em julgado.
CONCLUSÃO
Diante de todo exposto, conclui-se que é possível a existência de um processo único para a verificação da consistência do auto de infração, que originará tanto a penalidade de multa quanto a penalidade de suspensão do direito de dirigir.
Esse processo deve ter a duração de 180 (cento e oitenta) dias, caso não seja apresentada a defesa previa contra a autuação, na penalidade de multa, podendo chegar a 360 (trezentos e sessenta) dias, caso seja apresentada a defesa.
Finalizado o processo único, será aplicada a penalidade de multa, abrindo prazo para recurso à JARI, momento em que será instaurado o processo de suspensão do direito de dirigir, conferindo prazo de defesa previa ao condutor, devendo ser aplicada a penalidade de suspensão no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, caso não seja apresentada a defesa, podendo chegar a 360 (trezentos e sessenta) dias, caso seja apresentada.
Não há previsão legal para a existência de um único processo administrativo para a aplicação de ambas as penalidades ao mesmo tempo.
Havendo endereços diversos de cadastramento do veículo e da carteira de motorista, deve ser expedidas as notificações para ambos os endereços.
A notificação do processo único deve ser expedida ao endereço cadastrado no prontuário do veículo, assim como a notificação de aplicação da penalidade de multa.
A notificação de instauração do processo de suspensão deve ser expedida ao endereço cadastrado no prontuário do condutor, assim como a notificação de aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir.
Caso o DETRAN estabeleça um único processo para a aplicação de ambas as penalidades, haverá a violação ao princípio da legalidade, ocorrendo o cerceamento de defesa ao processo de suspensão, violando também a garantia da igualdade, pois em situações similares, nas quais o condutor não é proprietário do veículo, haverá o dobro de recursos administrativos oferecidos a esses.
É inaplicável o processo único ao proprietário cadastrado no Sistema de Notificação Eletrônica, já que esse é exclusivo para a penalidade de multa.
Destarte, é demonstradamente ilegal a forma como vem sendo aplicadas as penalidades em processo único pelos órgãos de trânsito componentes do Sistema Nacional de Trânsito.
Bibliografia
[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 2001, p. 15.
[2] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 20. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 191.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004., p. 56.
[4] idem.,p.82.
Autor: VAGNER OLIVEIRA. Advogado Especialista em Direito de Trânsito. Autor do livro “Infrações de Trânsito sob a ótica do Defensor de Condutores” e “Preclusão, prescrição e decadência no Direito de Trânsito”. Professor de Direito de Trânsito.
* O autor autoriza e estimula o uso do artigo para fins científicos e debates sobre o tema, desde que devidamente citada a fonte.
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