Sendo constatada a infração, nasce para o órgão de trânsito o “direito de punir” o condutor, aplicando-lhe as penalidades de multa, suspensão do direito de dirigir, cassação da habilitação ou cancelamento da permissão para dirigir.
Primeiramente, quando nos referimos ao “direito de punir”, cumpre esclarecer que não há no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de uma pessoa punir outra pessoa, ficando esse direito a cargo exclusivo do Estado, através de mecanismos jurídicos ou administrativos, quando verificado a ocorrência de um ato ilícito através de um processo que garanta o direito de ampla defesa e do contraditório.
Acontece que esse “direito de punir” não é eterno, não se perpetua no tempo, havendo, pois, uma limitação para o seu exercício, dentro de um prazo pré-estabelecido.
Segundo Cezar Roberto BITENCOURT a “Decadência é a perda do direito de ação a ser exercido pelo ofendido, em razão do decurso de tempo. A decadência pode atingir tanto a ação de exclusiva iniciativa privada como também a pública condicionada à representação. Constitui uma limitação temporal ao ius persequendi que não pode eternizar-se”[1].
Ocorrendo a prescrição ou a preclusão do processo administrativo, institutos que já foram devidamente caracterizados nos títulos anteriores, a consequência dessa inercia dos órgãos de trânsito será a decadência do direito de punir.
Não extingue a infração de trânsito ou o processo administrativo, propriamente dito, o que restará configurado através da decadência é o direito de dar continuidade à persecução da penalidade, a título do que ocorre no Direito Penal.
Segundo Fernando Capez[2], “a decadência não atinge diretamente o direito de punir, pois este pertence ao Estado e não ao ofendido; ela extingue apenas o direito de promover a ação ou de oferecer a representação”, logo, aplicando-se os ensinamentos ao Direito de Trânsito, da mesma forma, o que restaria extinto é o prosseguimento do processo administrativo, não podendo o órgão de trânsito aplicar a penalidade quando configurada a decadência.
Tal afirmação resta evidente na leitura dos artigos 281, em seu parágrafo único, inciso II e no artigo 282, parágrafo 7º:
Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.
Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:
I – se considerado inconsistente ou irregular;
II – se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação.
Art. 282. Caso a defesa prévia seja indeferida ou não seja apresentada no prazo estabelecido, será aplicada a penalidade e expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil que assegure a ciência da imposição da penalidade.
7º O descumprimento dos prazos previstos no § 6º deste artigo implicará a decadência do direito de aplicar a respectiva penalidade.
No artigo 281, vê-se que o legislador, de forma implícita, remeteu à decadência do direito de punir através da determinação de que o processo administrativo deve ser arquivado.
Isso porque, não há a decadência propriamente dita da penalidade, já que nessa primeira fase administrativa não há uma penalidade em curso, se limitando a autoridade de trânsito a realizar uma análise preliminar a respeito da possibilidade ou não de desencadear o processo punitivo.
Veja-se o Tema Repetitivo 105, do Superior Tribunal de Justiça, a respeito da decadência contida no artigo 281:
Tema Repetitivo 105
Questão submetida a julgamento: Questiona-se se há decadência do direito de punir quando não expedida a notificação do infrator de trânsito no prazo de trinta dias, com a impossibilidade de reinício do procedimento administrativo.
Tese Firmada: O art. 281, parágrafo único, II, do CTB prevê que será arquivado o auto de infração e julgado insubsistente o respectivo registro se não for expedida a notificação da autuação dentro de 30 dias. Por isso, não havendo a notificação do infrator para defesa no prazo de trinta dias, opera-se a decadência do direito de punir do Estado, não havendo que se falar em reinício do procedimento administrativo.
Não há duvidas que, tendo o Código de Trânsito Brasileiro a previsão do prazo de preclusão para o ato administrativo, violado o prazo a consequência é a decadência do direito de punir.
Já no artigo 282, a decadência já está prevista de forma explicita, pois nesse caso já existe um prazo decadencial para o ato administrativo de aplicação da penalidade.
Mas, questão que deve ser analisada é, a decadência deve ser reconhecida de oficio pela Autoridade de Trânsito, sem que seja objeto de pedido por parte do condutor infrator?
E a resposta é sim.
Em que pese as normas de prescrição e de preclusão serem condições inerentes à resposta do condutor ao processo, alegadas em fase de defesa prévia, recurso à JARI ou recurso em 2ª instância, sendo a decadência uma consequência lógica da perda do prazo administrativo, verificada a preclusão ou prescrição, caberá à Autoridade de Trânsito declarar a decadência de oficio, independentemente de arguição do condutor.
Isso quer dizer que, ainda que não haja pedido formal pela interrupção do processo administrativo, caberá à Autoridade de Trânsito arquivar o processo, reconhecendo a perda do direito de punir a partir daquele ato administrativo violado, quer seja pela expedição da Notificação de Autuação fora do prazo de 30 (trinta) dias, quer seja pela expedição da Notificação de Penalidade fora do prazo de 180 (cento e oitenta) ou 360 (trezentos e sessenta) dias.
Para sustentar a hipótese, avoca-se o artigo 210, do Código Civil:
Art. 210. Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei.
Mas estamos falando do direito administrativo punitivo, portanto, a norma instituída no Código Civil serviria apenas como um parâmetro de conduta, mas é impensável que a autoridade de trânsito, conhecendo a respeito da decadência, deixe de conhece-la.
Nas palavras de Maria Helena Diniz[3], “A decadência, decorrente de prazo legal, é matéria de ordem pública; deve ser, uma vez consumado o prazo, considerada e julgada pelo magistrado, de ofício, independentemente de argüição do interessado”.
Por ter o Código de Trânsito Brasileiro estipulado o prazo de decadência dos atos administrativos em seus artigos 281 e 282, uma vez esgotado o prazo, deve a autoridade de trânsito declara-la de oficio e se não o fizer, restará configurada a ILEGALIDADE do processo, tornando-o nulo de pleno direito.
* O texto acima é parte do livro “Prescrição, Preclusão e Decadência no Direito de Trânsito” e não pode ser reproduzido sem a citação da fonte.
[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 1, p. 702.
[2] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 1, p. 569.
[3] DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 12ª ed., 2006, p. 249.
Autor: VAGNER OLIVEIRA. Advogado Especialista em Direito de Trânsito. Autor do livro “Infrações de Trânsito sob a ótica do Defensor de Condutores”. Professor de Direito de Trânsito.
Siga nossas redes sociais:
Instagram: https://www.instagram.com/academiado_direitodetransito/
Youtube: https://www.youtube.com/c/VagnerOliveiratransito/videos
Sou um fiel seguidor do site, do qual nada tenho a comentar. Está cada vez melhor.
CurtirCurtir
Fico muito feliz com seu comentário, muito obrigado. Um forte abraço, sucesso!!!
CurtirCurtir
Bom dia meu amigo e Dr Vagner Oliveira, quero comprar esse livro, assim como a atualização do seu primeiro livro!👏👏👏👏
CurtirCurtir
Logo estará disponível. Abraço!
CurtirCurtir
Muito bom.
CurtirCurtir