A apresentação de condutor é um instrumento administrativo do qual se vale o proprietário do veículo para eximir-se da responsabilidade por infrações de trânsito as quais não cometeu.
Esse instrumento revela um direito subjetivo do proprietário do veículo ao mesmo tempo em que estabelece uma obrigação ao condutor infrator em assumir as consequências pela infração que praticou.
Se destina, portanto, a individualizar a aplicação da penalidade através da busca pela verdade real sobre os fatos ocorridos.
Entretanto, em que pese ser um direito do proprietário ao mesmo tempo em que se converte em uma obrigação ao condutor, não há na legislação de trânsito qualquer sanção direcionada ao condutor que se negue em fornecer seus dados ou recuse assinar o formulário de indicação, reconhecendo a prática da infração.
Isso deixa o proprietário do veículo em uma condição de vulnerabilidade em relação ao condutor, à mercê de sua vontade, já que administrativamente não há como obrigá-lo a se apresentar.
As últimas alterações ocorridas no Código de Trânsito Brasileiro tentaram amenizar essa situação, ao estabelecer a possibilidade do proprietário de eleger o condutor principal do veículo:
Art. 257 […]
§ 10. O proprietário poderá indicar ao órgão executivo de trânsito o principal condutor do veículo, o qual, após aceitar a indicação, terá seu nome inscrito em campo próprio do cadastro do veículo no Renavam.
§ 11. O principal condutor será excluído do Renavam:
I – quando houver transferência de propriedade do veículo;
II – mediante requerimento próprio ou do proprietário do veículo;
III – a partir da indicação de outro principal condutor.
Assim, tendo aceitado a condição de condutor principal do veículo, assumirá a responsabilidade pelas infrações cometidas, salvo se indicar outro condutor secundário que tenha cometido a infração.
Entretanto, a titularidade de condutor principal ainda depende de aceitação, ou seja, na prática dificilmente essa condição ocorrerá, salvo quando houver uma relação de emprego ou outra situação que o obrigue.
Mas existe uma exceção na qual a Lei autoriza não só a apresentação do condutor mesmo sem a sua assinatura, como também dispensa o proprietário de anexar a cópia do documento de habilitação do infrator, desde que sejam preenchidos alguns requisitos formais.
Essa exceção à regra está prevista no artigo 5º, parágrafo primeiro, da Resolução 619. Veja o que diz o texto do artigo:
Art. 5º Sendo a infração de responsabilidade do condutor, e este não for identificado no ato do cometimento da infração, a Notificação da Autuação deverá ser acompanhada do Formulário de Identificação do Condutor Infrator, que deverá conter, no mínimo:
[…]
§ 1º Na impossibilidade da coleta da assinatura do condutor infrator, além dos documentos previstos nos incisos deste artigo, deverá ser anexado ao Formulário de Identificação do Condutor Infrator:
I – omissis;
II – cópia de documento onde conste cláusula de responsabilidade por infrações cometidas pelo condutor e comprove a posse do veículo no momento do cometimento da infração, para veículos registrados em nome das demais pessoas jurídicas.
§ 8º O documento referido no inciso II do § 1º deverá conter, no mínimo, identificação do veículo, do proprietário e do condutor, cláusula de responsabilidade pelas infrações e período em que o veículo esteve na posse do condutor apresentado, podendo esta última informação constar de documento em separado assinado pelo condutor.
As cláusulas de responsabilidade são baseadas na autonomia da vontade ou na liberdade de contratar, ou seja, os contratantes podem escolher celebrar ou não o contrato, eleger as características daquilo que será contratado e definir todos os contornos desse contrato, inclusive as garantias que cada uma das partes.
É o que acontece, por exemplo, nos contratos de locação de veículos, na prestação de serviço de condutor autônomo de veículos de carga, na contratação de motoristas profissionais e várias outras situações que envolvem um particular conduzindo o veículo de uma pessoa jurídica.
Mas a cláusula de responsabilidade pode ser utilizada para apresentar condutor em veículo cadastrado em nome de pessoa física?
Não e sim. Na verdade, depende, tudo é relativo (aprendi essa frase na faculdade de direito).
Imagine, por exemplo, um contrato de compra e venda de veículo financiado, cujo comprador assume a responsabilidade pelo pagamento das parcelas mensais, se comprometendo a transferir o veículo após a quitação do financiamento mercantil.
Esse é o tipo de situação mais comum nas advocacias e assessorias de trânsito.
Como o contrato é particular e não é oponível à instituição financeira e aos órgãos de trânsito, o vendedor acaba respondendo pelas parcelas atrasadas e não pagas do financiamento, como também pelas multas de trânsito lavradas em seu nome e notificadas em seu endereço, já que figura como proprietário do veículo junto ao DETRAN.
Ainda que exista a cláusula de responsabilidade pelas infrações cometidas, e vou dizer isso pela experiência que tenho com esse tipo de caso, é certo que o comprador se negará a assinar o formulário de identificação de condutor ou simplesmente desapareça para LINS (Lugar Incerto e Não Sabido), permanecendo as autuações em nome do vendedor.
E qual seria a solução para esse tipo de situação?
Se existirem cláusulas de garantia e responsabilidade, ainda que o contrato não seja oponível à instituição bancária, nada impede que o vendedor ingresse na justiça pedindo a rescisão contratual e a restituição do bem, pleiteando indenização por dano moral no caso das parcelas em atraso terem gerado a negativação de seu nome.
Em relação às infrações de trânsito, existindo a cláusula de responsabilidade pelas infrações cometidas, o vendedor poderá utilizar a cópia do contrato assinado pelo comprador, para indicá-lo como condutor.
Mas como assim?
A cláusula de responsabilidade não substitui a assinatura e o documento de habilitação apenas quando o veículo estiver cadastrado em nome de pessoa jurídica?
Sim, essa é a regra.
Entretanto, a norma contida no artigo 5º, parágrafo 1º, da Resolução 619, deve ser interpretada em conjunto com o artigo 257, em seu parágrafo 10º.
Vamos ver novamente o que diz os artigos, agora, na sequência exata de sua interpretação:
Art. 257 […]
§ 10. O proprietário poderá indicar ao órgão executivo de trânsito o principal condutor do veículo, o qual, após aceitar a indicação, terá seu nome inscrito em campo próprio do cadastro do veículo no Renavam.
[…]
Resolução 619
Art. 5º […]
§ 1º Na impossibilidade da coleta da assinatura do condutor infrator, além dos documentos previstos nos incisos deste artigo, deverá ser anexado ao Formulário de Identificação do Condutor Infrator:
I – omissis;
II – cópia de documento onde conste cláusula de responsabilidade por infrações cometidas pelo condutor e comprove a posse do veículo no momento do cometimento da infração, para veículos registrados em nome das demais pessoas jurídicas.
A cláusula de responsabilidade por infrações cometidas pode não ser admissível para apresentar o infrator quando o veículo estiver cadastrado em nome de pessoa física, mas comprova a POSSE do veículo pelo condutor no momento da infração e traz a declaração expressa do condutor ASSUMINDO A RESPONSABILIDADE PELAS INFRAÇÕES COMETIDAS.
Assim, o contrato de compra e venda pode perfeitamente ser utilizado para indicar o PRINCIPAL CONDUTOR DO VEÍCULO, já que a norma NÃO SE DESTINA EXCLUSIVAMENTE A PROPRIETÁRIO PESSOA JURÍDICA, como também suprir a sua assinatura e a falta de cópia de sua habilitação, em analogia à Resolução 619.
Não seria equitativo possibilitar à pessoa jurídica indicar o condutor do veículo, atribuindo-lhe a responsabilidade pela infração cometida, quando demonstrada a posse e a responsabilidade assumida pelo condutor e a mesma regra não ser aplicável à pessoa física que demonstre os mesmos requisitos.
Mesmo porque, as consequências da não apresentação de condutor são muito mais gravosas para a pessoa física do que para a pessoa jurídica, já que pode ser penalizada com suspensão do direito de dirigir, cassação da habilitação, perda da carteira provisória, frequência obrigatória em cursos de reciclagem ou perda da capacidade laboral, quando se tratar de “profissionais do volante”.
Então, dentro do prazo para apresentação do infrator, deve-se adotar o seguinte procedimento:
1. Formular o pedido por escrito de INDICAÇÃO DE CONDUTOR PRINCIPAL junto ao DETRAN, contendo os dados do proprietário do veículo, os dados do condutor principal, que no caso é o comprador do veículo e os dados do veículo. Junto com o formulário, deve ser anexado o contrato de compra e venda onde conste a cláusula de responsabilidade pelas infrações cometidas.
Tome o cuidado de tirar cópias do processo administrativo, com a AUTENTICAÇÃO dos documentos pelo funcionário do órgão executivo de trânsito do Estado.
Esse pedido deve ser realizado com antecedência à apresentação de condutor, verificando o prazo limite estipulado pelo órgão autuante.
2. Depois de formulado o pedido e dentro do prazo fornecido pelo órgão autuante, preencha o formulário de apresentação de infrator, juntando a cópia autenticada da INDICAÇÃO DO CONDUTOR PRINCIPAL realizada no DETRAN.
Se for enviar a apresentação via postal, utilize a correspondência com Aviso de Recebimento (AR), não esquecendo de descrever todos os documentos que estão sendo enviados.
Não há, portanto, qualquer impedimento legal para que o DETRAN reconheça a indicação do comprador do veículo como sendo o CONDUTOR PRINCIPAL, procedendo sua apresentação como condutor infrator nas infrações de trânsito cometidas no uso do veículo.
E a grande vantagem é que esse tipo de procedimento só é realizado uma única vez, pois, depois de inscrito no cadastrado RENAVAM do veículo, seu cliente ficará livre de todas as futuras autuações, que porventura sejam cometidas.
Evidentemente que a regra é para infrações cuja responsabilidade seja do condutor, por desrespeito às normas de circulação e de conduta. Para infrações de responsabilidade do proprietário, a regra é outra e não pode ser realizada via administrativa.
VAGNER OLIVEIRA. Advogado de Trânsito. Fundador da Academia do Direito de Trânsito. Professor do Curso “Suspensão e Cassação de Habilitação” e “Como montar um Escritório de Recursos de Multa”. Autor do livro digital “Coletânea de Jurisprudências de Direito de Trânsito”.
Como citar este artigo: OLIVEIRA, Vagner Luciano. COMO APRESENTAR CONDUTOR EM VEICULO VENDIDO E NAO TRANSFERIDO. Disponível em: https://academiadodireitodetransito.com/2018/09/11/como-apresentar-condutor-em-veiculo-vendido-e-nao-transferido. Acessado em dd/mm/aaaa.
É de muita importância esse conteúdo.
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Olá, José. Agradeço o comentário. Abraço.
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Tive uma situação parecida. Muito obrigado pela grande dica
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Muito boa a tese jurídica! Parabéns professor!
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Obrigado, Dr. pelas dicas. Sempre o acompanho.
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Muito boa a explanação e vai ajudar em casos que aparecem. Contínuo a acompanhar as dicas. Parabéns.
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Excelente suas explicações. Sempre acompanho seus artigos e estou aprendendo muito. Parabéns professor pelo trabalho ético e extremamente profissional.
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Boa tarde, Professor!
E como fica no caso da pessoa vender apenas verbalmente o veiculo e o comprador sumir, deixando inúmeras multas para trás?
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Ola, primeira vez que vejo seu comentário DR. Excelente.
Sou estudante de direito, e estou interessado conhecer
melhor esta área sobre infração de transito. Mesmo ante
de me forma, vejo uma oportunidade de começar a trabalhar.
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