Uma das autuações mais comuns para os profissionais que trabalham com a defesa de condutores tem a ver com “deixar o condutor ou passageiro de usar o cinto de segurança”.
Não há qualquer dúvida de que o cinto de segurança miniminiza as consequências de um acidente de trânsito, diminuindo (e muito) as chances de óbito em capotamentos e colisões.
E como o Código de Trânsito Brasileiro tem como prioridade o transito seguro e a proteção à vida, a grande pergunta que se faz a respeito da constatação desse tipo de infração de trânsito é: A INFRAÇÃO POR DEIXAR DE USAR O CINTO DE SEGURANÇA PODE SER FEITA SEM ABORDAGEM?
O DENATRAN chegou a emitir Parecer (11/99) dizendo que a abordagem era obrigatória, pois a finalidade do cinto é proteger a vida e a integridade física dos cidadãos, incumbindo ao Poder Público exercitar a vigilância e a tutela desse bem.
Posteriormente, mudou seu posicionamento.
Para entender melhor, primeiramente deve-se ter em mente que a infração ao artigo 167 prevê a medida administrativa de RETENÇÃO DO VEÍCULO ATÉ A COLOCAÇÃO DO CINTO PELO INFRATOR.
Medidas administrativas são sanções cautelares, aplicadas pelo agente de trânsito no momento da constatação da infração ou pela autoridade de trânsito, subsidiariamente à aplicação das penalidades de suspensão ou cassação da habilitação.
Vale dizer, a penalidade é uma consequência natural da constatação da infração enquanto a medida administrativa é uma ação complementar, que tem por objetivo possibilitar a correção imediata da infração (retenção e remoção), proporcionar a constatação da infração (teste de dosagem alcoólica) ou simplesmente resguardar o cumprimento das penalidades de suspensão e cassação (recolhimento da CNH).
Já é consenso que diante da impossibilidade de abordagem pelo agente fiscalizador, devidamente relatada no auto de infração, não ocorre a invalidação da autuação pela infração de trânsito.
Entretanto, essa regra não se aplica às infrações de cinto de segurança.
Segundo o artigo 65, do Código de Trânsito Brasileiro, é obrigatório o uso do cinto de segurança para condutor e passageiros em todas as vias do território nacional. Nesse passo, a infração ocorre quando um ou mais ocupantes do veículo deixam de utilizar esse equipamento, cuja tipificação está prevista pelo artigo 167, do CTB:
Art. 167. Deixar o condutor ou passageiro de usar o cinto de segurança, conforme previsto no art. 65:
Infração – grave;
Penalidade – multa;
Medida administrativa – retenção do veículo até colocação do cinto pelo infrator.
Esse tipo de infração tem relação direta com a segurança dos condutores e passageiros dos veículos e por isso a abordagem do veículo e a adoção da medida administrativa é obrigatória.
Não concedeu, o Código de Trânsito Brasileiro, qualquer discricionariedade para o ato, sendo enfático ao estabelecer a RETENÇÃO DO VEÍCULO ATÉ COLOCAÇÃO DO CINTO PELO INFRATOR.
Não estabeleceu a Lei que o veículo “poderá” ser retido até a colocação do cinto. Estabeleceu que “deve” ser retido até a colocação do cinto pelo infrator.
Não teria razão de existir essa medida administrativa para o artigo em tela se não fosse para cumprir o artigo 269, em seu parágrafo primeiro, que diz que “a ordem, o consentimento, a fiscalização, as medidas administrativas e coercitivas adotadas pelas autoridades de trânsito e seus agentes terão por objetivo prioritário a proteção à vida e à incolumidade física da pessoa”.
Assim, a finalidade da penalidade de multa se torna SECUNDÁRIA à medida administrativa, que passa ser a sanção principal.
Vamos imaginar uma situação hipotética:
1. O agente fiscalizador observa que o passageiro de um veículo, uma criança de 8 anos de idade, não está utilizando o cinto de segurança;
2. Em vez de emitir a ordem de parada e aplicar a medida administrativa de RETENÇÃO DO VEÍCULO ATÉ A COLOCAÇÃO DO CINTO PELO INFRATOR, ele apenas lavra a autuação;
3. Duas quadras adiante, o veículo a 40 km/h, colide na traseira de um ônibus parado no semáforo;
4. Com o impacto, a criança é arremessada para frente com cerca de 20 vezes o seu próprio peso, vindo a óbito por ocasião das fraturas sofridas no pescoço e coluna.
Nesse caso, qual foi o objetivo da autuação? Proteger a vida e a incolumidade física dos ocupantes?
Claro que não. Não teve função nenhuma e o agente fiscalizador DEIXOU DE SALVAR UMA VIDA ou, numa análise mais profunda, sua omissão CONTRIBUIU PARA A MORTE DA CRIANÇA.
O objetivo prioritário do agente, nesse caso, foi autuar, deixando de cumprir a finalidade da lei.
Logo, me parece evidente que a conduta praticada pelo agente de trânsito que DEIXA DE ABORDAR O VEÍCULO PARA APLICAR A MEDIDA ADMINISTRATIVA e se limita apenas a lavrar a autuação, é nula por inobservância às normas estabelecidas no Código de Trânsito Brasileiro.
E dificilmente existe a IMPOSSIBILIDADE de abordagem, vez que a grande maioria dessas autuações ocorrem nas regiões centrais das cidades, em vias com velocidades entre 30 e 50 km/h.
Mas é mais cômodo anotar no campo de observação do auto de infração “veículo em movimento” para justificar a ausência da abordagem do que perder tempo salvando uma vida.
* As opiniões constantes nos artigos são de responsabilidade exclusiva de seu autor, que incentiva a reprodução total ou parcial do texto para fins acadêmicos, desde que devidamente citada a fonte.
Fonte da Imagem:
VAGNER OLIVEIRA. Advogado de Trânsito. Fundador da Academia do Direito de Trânsito. Professor do Curso “Suspensão e Cassação de Habilitação” e “Como montar um Escritório de Recursos de Multa”. Autor do livro digital “Coletânea de Jurisprudências de Direito de Trânsito”.
Como citar este artigo: OLIVEIRA, Vagner Luciano. MULTA DE CINTO DE SEGURANÇA – ABORDAGEM OBRIGATÓRIA (?). Disponível em: https://academiadodireitodetransito.com/2018/08/08/multa-de-cinto-de-seguranca-abordagem-obrigatoria. Acessado em dd/mmm/aaaa.
Muito boa a explanação e será de grande ajuda.
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Parabéns Dr. Vagner pela brilhante explicação.
Como sempre suas explicações dia as mais claras e objetivas possíveis
Não é atoa que o Dr. é um dos maiores especialistas de trânsito do país.
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Deveria ser obrigatório sim a abordagem, pois fui multada recentemente ao qual eu estava sim com o cinto pois simplesmente passei o cinto abaixo ao peitoral devido estar recente a uma cirurgia de masectomia.
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Parabéns professor pelo artigo expressamente inserido no CTB. Falado de maneira profissional e objetivo. Excelente.
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Gostei muito, Que conhecimento importante.
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