O Código de Trânsito Brasileiro, em seus artigos 281 e 282, institui a obrigatoriedade do órgão de trânsito em promover a dupla notificação ao infrator, a primeira comunicando o cometimento da infração, que deve ser expedida em 30 (trinta) dias e a segunda comunicando a imposição da penalidade de multa.
A cientificação do infrator (e não apenas do proprietário do veículo) é indispensável para que exerça seu direito de ampla defesa e do contraditório, como bem asseverou o Superior Tribunal de Justiça em sua Súmula 312.
Os procedimentos para a notificação de imposição da penalidade estão previstos no artigo 282, do Código de Trânsito Brasileiro, a saber:
Art. 282. Aplicada a penalidade, será expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade.
1º A notificação devolvida por desatualização do endereço do proprietário do veículo será considerada válida para todos os efeitos.
2º A notificação a pessoal de missões diplomáticas, de repartições consulares de carreira e de representações de organismos internacionais e de seus integrantes será remetida ao Ministério das Relações Exteriores para as providências cabíveis e cobrança dos valores, no caso de multa.
3º Sempre que a penalidade de multa for imposta a condutor, à exceção daquela de que trata o § 1º do art. 259, a notificação será encaminhada ao proprietário do veículo, responsável pelo seu pagamento.
4º Da notificação deverá constar a data do término do prazo para apresentação de recurso pelo responsável pela infração, que não será inferior a trinta dias contados da data da notificação da penalidade.
5º No caso de penalidade de multa, a data estabelecida no parágrafo anterior será a data para o recolhimento de seu valor.
Segundo o artigo supra, a validade da notificação depende de ter sido expedida por qualquer meio hábil que assegure a ciência da imposição da penalidade e será considerada válida se, quando expedida via postal, for devolvida por desatualização do endereço do infrator.
Trata-se de uma exceção à regra.
Digo exceção porque a regra é simples: SE NÃO FOI ASSEGURADA A CIÊNCIA DA IMPOSIÇÃO DA PENALIDADE, A NOTIFICAÇÃO É INVALIDA.
Podem ocorrer, na notificação enviada por remessa postal, os chamados “incidentes de notificação”, situações controvertidas sobre a notificação, que surgem no decorrer do procedimento para a aplicação da penalidade e afetam diretamente o processo administrativo, podendo causar sua nulidade.
Nesses casos, os incidentes de notificação fazem com que o proprietário ou infrator deixem de serem notificados, causando a devolução da correspondência ao órgão de trânsito, sem que tenham dado causa à devolução.
São “incidentes” porque não dependem da vontade do endereçatário, que pode estar “AUSENTE”; que pode residir “FORA DO PERÍMETRO DE ENTREGA DE CORRESPONDÊNCIAS”; que “NÃO PROCUROU” a agencia dos correios para saber da existência de correspondência não entregue; que resida em logradouro cuja “NUMERAÇÃO INSUFICIENTE” ou “NUMERAÇÃO FORA DE ORDEM” não permita ao carteiro localizar o numeral do destino; cuja notificação “NÃO ENTREGUE” por conta de greve ou insuficiência de contingente de funcionários, etc.
Nesses casos, a notificação não pode gerar efeitos, deixando de atender sua finalidade primordial, suspendendo o curso do processo.
Frustrada a notificação, deve o órgão proceder a utilização de outros meios que assegurem a cientificação do infrator, quer seja por meios tecnológicos (whatsapp, redes sociais, e-mail) quer seja através de edital.
Aliás, esse tema mereceu destaque na Resolução 619:
Art. 13. Esgotadas as tentativas para notificar o infrator ou o proprietário do veículo por meio postal ou pessoal, as notificações de que trata esta Resolução serão realizadas por edital publicado em diário oficial, na forma da lei, respeitados o disposto no §1º do art. 282 do CTB e os prazos prescricionais previstos na Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999, que estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva.
A devolução da remessa postal por “incidentes de notificação” e sem que seja realizada a notificação por edital, não legitima o órgão a imposição das penalidades previstas para a infração, tornando nulo o processo administrativo se assim proceder a autoridade de trânsito.
Nesse sentido, a jurisprudência:
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO COM RESTITUIÇÃO DE VALOR PAGO E PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. MULTA DE TRÂNSITO. NOTIFICAÇÃO DE AUTO DE INFRAÇÃO NÃO ENTREGUE. NÃO OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 280, VI DO CTB. NULIDADE RECONHECIDA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA QUE DEVE SER MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. Recurso conhecido e desprovido. […] No documento anexado ao evento 33.5 consta a anotação de “ausente” e “não procurado”. Além disso, não que se se falar que a notificação ficou no correio à disposição do autor uma vez que a ré não comprovou que o autor estava ciente de que a correspondência estaria a sua disposição, não tendo se desincumbido de seu ônus probatório. 3 […] (TJPR, Primeira Turma Recursal. Recurso Inominado nº. 0019653-86.2012.8.16.0182. relator: Juiz Léo Henrique Furtado Araújo. Julgado em: 03/04/2014. Publicado em: 11/04/2014).
APELAÇÃO CÍVEL. MULTA DE TRÂNSITO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. NOTIFICAÇÃO POR EDITAL. NECESSÁRIA A COMPROVAÇÃO DA TENTATIVA ATRAVÉS DE CARTA AR DEVOLVIDA. É necessária a comprovação da tentativa de notificação através de carta AR devolvida para possibilitar e justificar a notificação editalícia. Apelo desprovido. (Apelação Cível Nº 70051766947, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 30/01/2013)
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO – NOTIFICAÇÃO DA PENALIDADE DE SUSPENSÃO E CASSAÇÃO ENCAMINHADA A ENDEREÇO DIVERSO DO AUTOR. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO POR EDITAL – SENTENÇA REFORMADA. Recurso conhecido e provido. Ante o exposto, esta Turma Recursal resolve, por unanimidade de votos, CONHECER e DAR PROVIMENTO ao recurso interposto, nos exatos termos deste voto. (TJ-PR – RI: 001499985201481601820 PR 0014999-85.2014.8.16.0182/0 (Acórdão), Relator: FERNANDA DE QUADROS JORGENSEN GERONASSO, Data de Julgamento: 06/07/2015, 1ª Turma Recursal, Data de Publicação: 09/07/2015)
Destarte, mesmo que o órgão de trânsito tenha cumprido as exigências de expedição das notificações, o não recebimento da correspondência por “incidentes de notificação” suspende o processo administrativo de imposição das penalidades até que a notificação seja realizada via edital, que não ocorrendo, torna ilegítima qualquer pretensão do órgão de trânsito em punir o infrator.
“O autor encoraja a reprodução total ou parcial deste artigo, desde que devidamente citada a fonte”.
VAGNER OLIVEIRA. Advogado de Trânsito. Fundador da Academia do Direito de Trânsito. Professor do Curso “As grandes teses do direito de trânsito” e “Como montar um Escritório de Recursos de Multa”.
Como citar este artigo: OLIVEIRA, Vagner Luciano. Incidentes de notificação. Disponível em: https://transitonaveia.wordpress.com/2017/08/07/incidentes-de-notificacoes/#more-877. Acessado em dd/mmm/aaaa.
Ótima explanação, vai ser de muita utilidade para mim e outras pessoas que trabalham com defesa de condutores.
PARABÉNS.
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Excelente o texto.
Qto mais utilizarmos esses dispositivos, maiores as chances de sedimentarmos esses dispositivos!
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