O Código de Trânsito Brasileiro faz uma clara distinção entre a habilitação para conduzir veículos de duas ou três rodas, representado pela categoria de habilitação “A” e a habilitação para condução de automóveis e similares, representados nas categorias de habilitação “B”, “C”, “D’ e “E”.
Segundo o art. 143, do CTB, as habilitações são classificadas por categorias:
Art. 143. Os candidatos poderão habilitar-se nas categorias de A a E, obedecida a seguinte gradação:
I – Categoria A – condutor de veículo motorizado de duas ou três rodas, com ou sem carro lateral;
II – Categoria B – condutor de veículo motorizado, não abrangido pela categoria A, cujo peso bruto total não exceda a três mil e quinhentos quilogramas e cuja lotação não exceda a oito lugares, excluído o do motorista;
III – Categoria C – condutor de veículo motorizado utilizado em transporte de carga, cujo peso bruto total exceda a três mil e quinhentos quilogramas;
IV – Categoria D – condutor de veículo motorizado utilizado no transporte de passageiros, cuja lotação exceda a oito lugares, excluído o do motorista;
V – Categoria E – condutor de combinação de veículos em que a unidade tratora se enquadre nas Categorias B, C ou D e cuja unidade acoplada, reboque, semi-reboque ou articulada, tenha seis mil quilogramas ou mais de peso bruto total, ou cuja lotação exceda a oito lugares, ou, ainda, seja enquadrado na categoria trailer.
Existem, portanto, cinco “habilitações” previstas no código de trânsito, classificadas por categorias, cada uma restringindo o direito de dirigir apenas aos determinados tipos de veículos.
A categoria “A” é uma habilitação específica para veículos de duas ou três rodas, ou seja, não abrange qualquer outro tipo de veículo automotor, ao contrário do que ocorre com as categorias “C, D e E”.
Tanto é que o candidato à permissão para dirigir pode optar por habilitar-se na categoria “A”, na categoria “B” ou num conjunto de duas habilitações, nas categorias “AB”. Nesse caso, apesar de ser emitido apenas um documento onde constam ambas as categorias, o condutor adquire duas habilitações distintas, de acordo com o artigo 143, do CTB.
Os DETRANS argumentam que, apesar da separação das habilitações por categorias, a carteira de habilitação é um documento único, que pode conter duas categorias em conjunto, sem que necessariamente existam duas habilitações distintas para o exercício do direito de dirigir.
Sem fundamento.
Estar habilitado somente na categoria “A” não confere ao condutor o direito de dirigir veículos que possuam mais de três rodas. Também os condutores habilitados somente nas categorias “B”, “C”, “D” e “E”, não possuem o direito de dirigir motocicletas e similares.
Isso porque, a classificação das categorias leva em consideração as particularidades de cada veículo.
Esse princípio também foi observado nas infrações de trânsito, prevendo o código de trânsito normas de aplicação geral (Ex: Art. 165) e outras cuja aplicação é restrita, conforme as particularidades do veículo infrator (Ex: Art. 244).
Nesse contexto, o próprio artigo que define um tipo de infração restrita acaba por restringir também a aplicação de suas penalidades:
Art. 244. Conduzir motocicleta, motoneta e ciclomotor:
I – sem usar capacete de segurança com viseira ou óculos de proteção e vestuário de acordo com as normas e especificações aprovadas pelo CONTRAN;
II – transportando passageiro sem o capacete de segurança, na forma estabelecida no inciso anterior, ou fora do assento suplementar colocado atrás do condutor ou em carro lateral;
III – fazendo malabarismo ou equilibrando-se apenas em uma roda;
IV – com os faróis apagados;
V – transportando criança menor de sete anos ou que não tenha, nas circunstâncias, condições de cuidar de sua própria segurança:
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa e suspensão do direito de dirigir;
Medida administrativa – Recolhimento do documento de habilitação;
O artigo trata das condutas que somente podem ser praticadas em veículos do tipo motocicleta, motoneta ou ciclomotores (triciclos e quadriciclos por equiparação) e NUNCA EM VEICULOS DO TIPO AUTOMÓVEIS E SIMILARES.
Logo, a penalidade de suspensão prevista para as infrações ao artigo 244, também deve se restringir ao direito de dirigir veículos do tipo MOTOCICLETAS e SIMILARES, não devendo atacar as demais categorias de habilitação.
Nesse mesmo sentido, as decisões do STJ:
ADMINISTRATIVO – CÓDIGO DE TRÂNSITO (ART. 244, I). 1. A condução de motocicleta sem o uso de capacete pelo seu condutor, enseja a apreensão do documento hábil para a condução de motocicletas e similares. 2. A sanção não atinge a habilitação para dirigir automóveis ou similares. 3. Recurso especial improvido.ão de trânsito. (REsp 291.605/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/02/2002, DJ 08/04/2002 p. 178) (grifos nossos)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOCUMENTO QUE PERMITE A CONDUÇÃO TANTO DE MOTOCICLETA QUANTO DE AUTOMÓVEL. CONDUÇÃO DE MOTOCICLETA SEM O CAPACETE. IMPOSSIBILIDADE DE APREENSÃO DA CNH, UMA VEZ QUE O CONDUTOR ESTÁ APTO A DIRIGIR AUTOMÓVEL. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. (Agravo de Instrumento nº 1.289.385 – RJ (2010/0051463- 8). Relator: Ministro Benedito Gonçalves. Data da publicação 30/04/2010)
No mesmo vértice, a jurisprudência dos Tribunais Estaduais:
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. CONDUÇÃO DE MOTOCICLETA USANDO CAPACETE COM A VISEIRA LEVANTADA. ART. 244 DO CTB. SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. CONDUTOR QUE POSSUI CNH DAS CATEGORIAS. PENALIDADE QUE DEVE SE RESTRINGIR À CONDUÇÃO DE MOTOCICLETA (CATEGORIA A). SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. (TJPR – 1ª turma Recursal – 0000199-66.2011.8.16.0179/0 – Rel.: GIANI MARIA MORESCHI. data da publicação 06/12/2011).
RECURSO INOMINADO. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. CONDUÇÃO DE MOTOCICLETA SEM VISEIRA/ÓCULOS DE PROTEÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APREENSÃO DA CNH, UMA VEZ QUE O CONDUTOR ESTÁ APTO A DIRIGIR AUTOMÓVEL. ENTENDIMENTO EM CONSONÂNCIA COM ENTENDIMENTO PACÍFICADO NO STJ. SENTENÇA REFORMADA. Recurso conhecido e provido. , decidem os Juízes integrantes da 1ª Turma Recursal do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, conhecer e dar provimento ao recurso, nos exatos termos deste voto. (TJPR – 1ª Turma Recursal – 0026670-76.2012.8.16.0182/0 – Curitiba – Rel.: LEO HENRIQUE FURTADO ARAUJO)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. ART. 244, INCISO I DO CTB. DIRIGIR MOTOCICLETA SEM CAPACETE OU EQUIPAMENTO OBRIGATÓRIO. SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR MOTOCICLETA OU SIMILARES, NÃO PODENDO O AGRAVANTE TER SUSPENSA A CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR AUTOMÓVEL. PRECEDENTE DO STJ. AGRAVANTE, QUE ALÉM DE FORTES INDÍCIOS DE NÃO TER SIDO O AUTOR DA INFRAÇÃO, EXERCE A PROFISSÃO DE TAXISTA. PRESENTES OS REQUISITOS DO PERICULUM IN MORA E DO FUMUS BONI JURIS. PROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 557, § 1º-A, DO CPC. (TJ-RJ – AI: 00234443820158190000 RIO DE JANEIRO CAPITAL 1 VARA FAZ PUBLICA, Relator: PAULO SERGIO PRESTES DOS SANTOS, Data de Julgamento: 19/05/2015, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 21/05/2015)
MANDADO DE SEGURAN?A – INFRAÇÃO DE TRÂNSITO – CONDUZIR MOTOCICLETA TRANSPORTANDO PASSAGEIRO SEM CAPACETE – SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR E RECOLHIMENTO DO DOCUMENTO DE HABILITAÇÃO – PENALIDADE E MEDIDA ADMINISTRATIVA RESTRITAS. HABILITAÇÃO PARA CONDUÇÃO DE MOTOCICLETA. – A penalidade de suspensão do direito de dirigir e a medida administrativa de recolhimento do documento de habilitação, por infração cometida na condução de motocicleta (art. 244, II do CTB), não atinge a habilitação para dirigir automóveis ou similares. (TJ-MG – AC: 10024102446960001 MG, Relator: Ana Paula Caixeta, Data de Julgamento: 21/11/2013, Câmaras Cíveis / 4ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 27/11/2013)
Destarte, se o direito de dirigir sofre restrições legais conforme o tipo do veiculo a ser conduzido, individualizando cada uma das categorias nas quais o condutor pode se habilitar (Art. 143), essa restrição também deve ser observada na aplicação da penalidade de suspensão, sob pena de violar o princípio da proporcionalidade da pena, pois:
- A penalidade aplicada em ambas as categorias não é adequada para atender a finalidade pretendida, que é punir o condutor de motocicleta;
- A penalidade mais apropriada é restringir temporariamente apenas a habilitação para motocicletas e não as demais categorias de habilitação;
- Os resultados finais advindos da aplicação da penalidade de suspensão do direito de dirigir no documento de habilitação são superiores e desnecessários ao condutor, especialmente para aqueles que utilizam a carteira de habilitação para atividades remuneradas em automóveis e similares.
O princípio da proporcionalidade introduz em qualquer ramo do direito a busca pela justiça e adequação dos meios empregados, sendo dever da autoridade de trânsito que irá impor a penalidade verificar a natureza da conduta praticada e o seu grau de reprovabilidade, cancelando a sanção uma vez observado que os resultados para o condutor serão maiores do que a finalidade pretendida.
A análise da tríade de elementos da sanção administrativa (fins + meios + resultados) permite avaliar que, nesses casos de infração especifica para motocicletas, a penalidade aplicada nas demais categorias de habilitação é realmente desproporcional.
Assim, infrações tipificadas como sendo exclusivas para motocicletas e similares não podem afetar o direito de dirigir automóveis, como acertadamente têm decidido nossos tribunais.
“O autor encoraja a reprodução total ou parcial deste artigo, desde que devidamente citada a fonte”.
VAGNER OLIVEIRA. Advogado de Trânsito. Fundador da Academia do Direito de Trânsito. Professor do Curso “As grandes teses do direito de trânsito” e “Como montar um Escritório de Recursos de Multa”.
Como citar este artigo: OLIVEIRA, Vagner Luciano. Infrações de motocicletas nao podem afetar o direito de dirigir automóveis. Disponível em: https://transitonaveia.wordpress.com/2017/07/31/infracoes-de-motocicletas-nao-podem-afetar-o-direito-de-dirigir-automoveis. Acessado em dd/mmm/aaaa.
Muito bom! Cada vez mais apaixonada pelos artigos de legislação de trânsito. Gostaria que me indicasse livros sobre o assunto.
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