Infrações de trânsito simultâneas são aquelas observadas pelo agente de trânsito ao mesmo tempo, em concurso material, quando o condutor pratica duas ou mais ações gerando dois ou mais resultados diferentes ou então em concurso formal, quando uma única ação gera dois ou mais resultados.
Apesar do Código de Trânsito Brasileiro ter adotado como regra o princípio da cumulatividade das penalidades, o CONTRAN, através do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, fez distinções entre infrações que devem ser penalizadas individualmente e aquelas em que a conduta mais especifica absorve as demais condutas praticadas, devendo ser lavrada uma única autuação.
Partindo da premissa utilizada pelo CONTRAN, podemos classificar as infrações simultâneas em 3 (três) tipos: 1. Concorrentes; 2. Concomitantes; 3. Continuadas.
INFRAÇÕES CONCORRENTES
Infrações de trânsito concorrentes são aquelas em que o condutor, através de uma única conduta, gera dois ou mais resultados, caracterizando o concurso formal de infrações.
Se o intuito do condutor era cometer uma infração específica, que para ser realizada tinha como consequência o cometimento de outra infração, apesar de serem práticas simultâneas, a conduta mais especifica deve prevalecer sobre a conduta secundária.
Por exemplo, a intenção do condutor é ultrapassar pelo acostamento (art. 202) mas para realizar a manobra, necessita também transitar pelo acostamento (art. 193).
Ambas as condutas são tipificadas como infração de trânsito, entretanto, a mais específica, que demonstra o desígnio, a intenção, a finalidade do condutor é o artigo 202, por ultrapassar pelo acostamento.
O Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito previu o sistema de absorção das penalidades nesses casos, respondendo o condutor apenas pela infração mais específica:
São concorrentes aquelas em que o cometimento de uma infração, tem como conseqüência o cometimento de outra. Por exemplo: ultrapassar pelo acostamento (art. 202) e transitar com o veículo pelo acostamento (art. 193). Nestes casos o agente deverá fazer um único AIT que melhor caracterizou a manobra observada.
Para ser qualificada como infração de trânsito concorrente, devem estar presentes as seguintes características: 1. Uma única ação; 2. Tipificação de duas ou mais infrações; 3. Simultaneidade das autuações; 4. Uma única intenção específica.
INFRAÇÕES CONCOMITANTES
Infrações concomitantes são aquelas absolutamente independentes, que não guardam qualquer relação entre si, apesar de terem ocorrido simultaneamente.
Ambas as condutas praticadas pelo condutor possuem força suficiente para gerar resultados diferentes, devendo o condutor responder por ambas as infrações.
É o caso, por exemplo, do condutor que arranca bruscamente com o seu veículo ao sinal verde do semáforo, com o intuito de exibir-se (art. 175), ao mesmo tempo em que deixa de observar a preferência do pedestre que não havia concluído a travessia da via (art. 214, II).
Nesse caso, as condutas tipificam infrações distintas e independentes, gerando resultados diferentes e consequentemente uma autuação para cada infração.
Para infrações concomitantes, o Código de Trânsito Brasileiro previu o sistema do cúmulo material das penalidades, ou seja, as penalidades são aplicadas em conjunto.
Art. 266. Quando o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as respectivas penalidades.
Para ser qualificada como infração concomitante, devem estar presentes as seguintes características: 1. Simultaneidade das autuações; 2. Ausência de dependência entre as condutas; 3. Resultados diferentes pelas condutas praticadas.
INFRAÇÕES DE TRÂNSITO CONTINUADAS
Infrações continuadas têm como característica principal a lavratura de várias autuações, no mesmo artigo infracional, em mesmo local, no mesmo dia, em horários aproximados.
Não se trata de múltiplos cometimentos de infrações e sim de uma única infração de trânsito ocorrida de forma continuada, constatada por agentes de trânsito diversos ou por flagrante em vários aparelhos eletrônicos instalados no mesmo trecho e que originaram duas, três ou mais autuações distintas.
Para configurar uma infração de trânsito continuada, as autuações devem possuir os seguintes requisitos: a) pluralidade de autuações; b) infrações da mesma espécie; c) conexão temporal e geográfica entre as infrações; d) Autuações Subsequentes.
A pluralidade de autuações é um critério matemático, constituindo na lavratura de dois ou mais autos de infrações de trânsito de forma simultânea em um determinado período de tempo.
As infrações da mesma espécie são aquelas que possuem o mesmo fato gerador. Ex: Art. 218 – Transitar em velocidade superior à máxima permitida para o local, medida por instrumento ou equipamento hábil, em rodovias, vias de trânsito rápido, vias arteriais e demais vias.
Nesse caso, ainda que as autuações sejam tipificadas por incisos diferentes (218, I – 218, II ou 218, III), o fato gerador das infrações continua o mesmo.
A conexão temporal e geográfica implica tenham ocorrido as infrações em mesmo dia, em locais e horários aproximados.
Por último, as Autuações Subsequentes devem estar caracterizadas por um vínculo entre as infrações, com autos de infração lavrados um em seguida do outro, pelo mesmo órgão de trânsito e com o mesmo modus operandi, ou seja, constatadas da mesma maneira.
Há que se dizer que o Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que para infrações administrativas de mesma natureza, ocorridas dentro de um mesmo período, de forma continuada, a multa administrativa deve ser singular:
ADMINISTRATIVO. DISPOSITIVO DE LEI TIDO COMO VIOLADO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS Nºs 282 e 356 do STF. SUNAB. LEI DELEGADA Nº 04/62. INFRAÇÃO CONTINUADA. MULTA SINGULAR. […] II – É assente o entendimento nesta Corte de que a seqüência de diversos ilícitos de mesma natureza, apurados em uma única ação fiscal, é considerada como infração continuada e, portanto, sujeita à imposição de multa singular. Precedentes: REsp nº 175.350/PB, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ de 25/09/2000; REsp nº 191.991/PE, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 22/03/1999 e REsp nº 83574/PE, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARRO, DJ de 21/03/96. (REsp 1041310/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/05/2008, DJe 18/06/2008)
A manutenção das penalidades decorrentes de infrações continuadas viola o princípio ne bis in idem, que em uma breve explicação, indica a ideia de que um único fato não pode gerar duas penalidades distintas.
Destarte, nas autuações de trânsito decorrentes de infrações continuadas estão presentes a tríplice identidade, que caracterizam o bis in idem:
- Mesmo condutor infrator; 2. Mesmo órgão autuante; 3. Mesmo fundamento para autuação.
Nas lições de René Ariel Dotti[1], em singular explicação, ensina que:
[…] há um princípio clássico de justiça segundo o qual ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato. A detração visa impedir que o Estado abuse do poder-dever de punir, sujeitando o responsável pelo fato punível a uma fração desnecessária da pena sempre que houver a perda da liberdade ou a internação em etapas anteriores à sentença condenatória.
O Conselho Nacional de Trânsito adotou o mesmo entendimento, ainda que de forma implícita e tímida, ao estabelecer no Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito que:
“O agente só poderá registrar uma infração por auto e, no caso da constatação de infrações em que os códigos infracionais possuam a mesma raiz (os três primeiros dígitos), considerar-se-á apenas uma infração.
Exemplo: condutor e passageiro sem usar o cinto de segurança, lavrar somente o auto de infração com o código 518-51 e descrever no campo ‘Observações’ a situação constatada (condutor e passageiro sem usar o cinto de segurança).” (Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, Resolução 371/561, capitulo 7, fls. 17)
Há que se concluir, portanto, que restando caracterizada a ocorrência de infrações de natureza continuadas, é dever do órgão de trânsito manter apenas a primeira autuação lavrada, promovendo o cancelamento das demais, enquanto perdurar a conexão temporal e geográfica da infração.
[1] DOTTI, R. A. Curso de Direito Penal: parte geral. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 604/605.
“O autor encoraja a reprodução total ou parcial deste artigo, desde que devidamente citada a fonte”.
VAGNER OLIVEIRA. Advogado de Trânsito. Fundador da Academia do Direito de Trânsito. Professor do Curso “As grandes teses do direito de trânsito” e “Foi Multado??? Recorra!!! Como abrir um Escritório de Recursos de Multa”.
Gostei do que foi exposto e me ajudará em alguns recursos. Estão de parabéns.
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Parabéns pelo artigo, Dr. Obrigado.
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Parabens pelo artigo. Bem claro e fundamentado.
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Vitoriano Antunes
Artigo escrito para leigos. Bastante elucidativo com fundamentação e exemplos.
Me servirá de subsídios a minha defesa.
Parabenizo ao Dr. Vagner Oliveira.
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