Uma das infrações de trânsito mais corriqueiras em qualquer escritório especializado na defesa de condutores é a de “Demonstrar Manobra Perigosa”, cujo artigo 175 traz como penalidade uma multa no valor de R$2.934,70, suspensão do direito de dirigir por até 8 meses, medida administrativa de recolhimento do documento de CNH e remoção do veículo ao depósito:
Art. 175. Utilizar-se de veículo para demonstrar ou exibir manobra perigosa, mediante arrancada brusca, derrapagem ou frenagem com deslizamento ou arrastamento de pneus: Infração – gravíssima;
Penalidade – multa (dez vezes), suspensão do direito de dirigir e apreensão do veículo;
Medida administrativa – recolhimento do documento de habilitação e remoção do veículo.
Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de 12 (doze) meses da infração anterior.
Apesar de parecer bastante simples caracterizar esse tipo de infração, o artigo não é tão descomplicado quanto pensamos, primeiro por se tratar de um artigo do tipo misto e segundo por se tratar de norma que exige requisitos para caracterização do Fato Gerador da infração.
Vamos analisar o artigo começando por suas medidas administrativas.
- Recolhimento do Documento de Habilitação do Condutor Infrator:
O recolhimento da carteira de habilitação não é imediato à constatação da infração prevista no artigo 175. Isso porque se destina a efetivar a penalidade de suspensão do direito de dirigir, ou seja, após esgotadas todas as possibilidades de defesa do condutor e sendo esse penalizado com a suspensão de sua habilitação, a CNH deverá ser recolhida.
Ou seja, ainda que o agente fiscalizador recolha o documento no momento da abordagem, a CNH deve ser restituída ao condutor infrator pelo órgão de trânsito responsável pela autuação, não podendo ser retida, restringindo o direito de dirigir do condutor antes do processo de suspensão do direito de dirigir ser finalizado.
Portanto, se você teve a CNH recolhida, basta se dirigir no dia seguinte ao órgão de trânsito (DETRAN) ou em sua repartição (CireTran, delegacia de trânsito, posto de trânsito) e retirar o documento.
- Remoção do Veículo ao Depósito
A segunda medida administrativa prevista para o artigo é a remoção do veículo, que consiste no recolhimento do bem ao depósito do órgão autuante, que somente será restituído ao seu proprietário mediante o pagamento das multas em atraso, taxas de licenciamento anual e despesas de remoção e estadias.
Despesas de “remoção” consistem nos valores cobrados pelo guinchamento do veículo, já que ele não pode ser conduzido por terceiros ao depósito.
Despesas de estadias correspondem à diária de permanência do veículo em depósito, valores que podem serem cobrados por até 6 meses.
Entretanto, essa medida administrativa de remoção se mostra inaplicável com base no artigo 175, por demonstrar manobra perigosa.
Isso porque o Código de Trânsito Brasileiro traz em seu artigo 271, parágrafo 9º que essa medida somente pode ser adotada quando a irregularidade não puder ser sanada no local da infração:
271, § 9º Não caberá remoção nos casos em que a irregularidade for sanada no local da infração.
Saneamento da infração corresponde ao momento em que o Fato Gerador da infração deixa de existir, por correção da causa que lhe deu origem ou por seu desaparecimento.
Isso leva ao entendimento de que, havendo a abordagem do condutor, interrompe-se seu ato de dirigir pela ação do agente fiscalizador, interrompendo também a infração, já que o artigo 175 somente se configura com o veículo em trânsito.
E não havendo mais infração de trânsito a ser sanada, não há justo motivo para o agente fiscalizador determinar a remoção do veículo ao depósito, sendo arbitrário qualquer ato administrativo no sentido contrário, além de se tornar ilegal qualquer cobrança de despesas com guincho ou estadias.
Lavrado o auto de infração, o veículo deve ser liberado a condutor habilitado.
Agora vamos analisar o Fato Gerador da infração.
Se você não sabe o que é o Fato Gerador leia meu artigo: O FATO GERADOR NAS INFRAÇÕES DE TRÂNSITO
Art. 175. Utilizar-se de veículo para demonstrar ou exibir manobra perigosa, mediante arrancada brusca, derrapagem ou frenagem com deslizamento ou arrastamento de pneus:
A primeira característica é que se trata de um artigo do tipo MISTO, ou seja, no mesmo artigo o legislador elegeu diversas condutas alternativas, devendo o agente fiscalizador escolher UMA entre todas as condutas para tipificar o auto de infração.
Analisando o texto do artigo 175, podemos admitir a existência de 5 tipos de condutas infratoras no mesmo artigo:
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- Demonstrar (ou exibir) arrancada brusca;
- Demonstrar (ou exibir) manobra de derrapagem;
- Demonstrar (ou exibir) frenagem;
- Demonstrar (ou exibir) manobra (derrapagem ou frenagem) com deslizamento de pneu;
- Demonstrar (ou exibir) manobra (derrapagem ou frenagem) com arrastamento de pneu;
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Arrancada Brusca não significa apenas arrancar de forma rápida, mas arrancar de forma abrupta, com violência, que foge à regularidade da manobra. Geralmente é caracterizada pelo fato do veículo arrancar “cantando pneu” ou seja, a energia gerada pela aceleração do motor faz com que as rodas girem em uma velocidade maior do que aquela necessária à impulsão do veículo através do atrito com o asfalto, fazendo os pneus girarem em falso.
A derrapagem acontece quando o condutor, voluntariamente, impõe uma manobra anormal ao veículo, fazendo-o retornar ou girar sobre o próprio eixo, arrastando os pneus (cavalo-de-pau com inversão de trajetória) ou deslizando os pneus (drift).
A frenagem somente acontece mediante parada brusca, com o travamento das rodas com o arrastamento dos pneus ou com seu deslizamento lateral (cavalo-de-pau para estacionamento).
No caso, ao analisar o artigo 175, o agente deve utilizar o PRINCIPIO DA ESPECIALIDADE, onde os elementos especializantes derrogam a generalidade da norma, ou seja, deve escolher apenas uma das condutas previstas para preencher o auto de infração, no intuito de especificar a infração cometida, dizendo qual foi a manobra observada e qual é a sua tipificação (arrancada brusca, derrapagem ou frenagem com deslizamento ou arrastamente de pneu).
A mera citação do artigo não é capaz de tipificar a conduta infratora e tão pouco fornecer subsídios necessários para que o condutor exerça seu direito de Ampla Defesa, tornando o auto de infração viciado e insubsistente, devendo ser prontamente cancelado.
Se o condutor não sabe “do que” está sendo acusado, não tem “do que” se defender.
A segunda característica do artigo 175 é que existem 2 fatos geradores, o primeiro por DEMONSTRAR manobra perigosa e o segundo por EXIBIR manobra perigosa.
Apesar de parecerem sinônimos, as condutas guardam diferenças entre si:
Demonstrar é um ato menos audacioso do condutor, que realiza apenas uma manobra com a finalidade de chamar a atenção. Segundo o dicionário PRIBERAM, da língua portuguesa, a palavra significa: 1; Fazer a demonstração de; 2. Mostrar, fazer ver; 3. Provar algo a; 4. Revelar. (“demonstrar”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/demonstrar [consultado em 03-11-2021].)
Já Exibir tem uma conotação um pouco mais voltada para a continuidade dos atos, a realização de várias manobras no sentido de se expor, de se mostrar a um público que o assiste. Pelo dicionário, exibição é: 1. Ato ou efeito de exibir; 2. Ação de mostrar algo a um público; 3. Ostentação. (“exibição”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/exibição [consultado em 03-11-2021].)
Por último e talvez o mais importante é que, para caracterizar o Fato Gerador do artigo 175, o condutor deve ter a intenção de praticar a infração.
Destarte, sem que haja o intuito de exibicionismo ou a finalidade de demonstrar destreza, a manobra somente pode ser enquadrada nos moldes do artigo 169 por dirigir sem atenção ou sem os cuidados indispensáveis à segurança.
Por exemplo, o condutor que freia bruscamente seu veículo, deslizando ou arrastando os pneus, porque se deparou com uma lombada não sinalizada ou um buraco na pista logo à sua frente não está utilizando o veículo para demonstrar manobra perigosa. Ainda que existam os requisitos objetivos (frenagem com deslizamento ou arrastamento de pneus) o requisito subjetivo (vontade de demonstrar a manobra) não existe, sendo impossível qualificar a infração ao artigo 175.
Da mesma forma, um condutor que faz uma curva “cantando pneu” por conta do desgaste da banda de rodagem de seu pneu, que está gasto além do limite permitido. Nesse caso, o condutor não está utilizando o veículo para demonstrar uma manobra de “drift”, empolgado porque assistiu velozes e furiosos – desafio em Tóquio. Aliás, o que deu causa à manobra perigosa foi a má condição de conservação do veículo (pneu careca) e não a destreza do condutor, que às vezes sequer sabe como fazer essas manobras de exibicionismo.
A intenção é, portanto, elemento subjetivo para caracterizar o Fato Gerador e sem esse requisito não há como tipificar as condutas trazidas pelo artigo 175.
* O autor encoraja o uso desse artigo para fins didáticos ou científicos, desde que devidamente citada a fonte.
Autor: VAGNER OLIVEIRA. Advogado. Especialista na Defesa de Condutores. Autor do livro “Infrações de Trânsito sob a ótica do defensor de condutores”. Professor de Direito de Trânsito na Academia do Direito de Trânsito.
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