O EFEITO “UMA LINDA MULHER” NOS RECURSOS DE MULTA

Se você trabalha com a defesa de condutores, deve saber que o processo administrativo punitivo de trânsito é regido pelo princípio do informalismo procedimental.

O que isso significa?

Significa que tudo é muito simples no decorrer do processo. Não existe burocracia procedimental.

Como o Código de Trânsito Brasileiro não traz previsão da forma como deve ser elaborado uma peça de recurso e tão pouco os requisitos que deve conter, não pode haver por parte do órgão julgador qualquer tipo de rigor na análise dos processos administrativos, bastando que cumpram os procedimentos legais.

É aquela velha frase que aprendemos na faculdade de direito, a respeito do habeas corpus: “Mesmo que a peça seja escrita à mão, em um pedaço de papel de embrulhar pão, ele deve ser julgado”.

Ou seja, se o recurso se mostra adequado ao objeto do processo administrativo, que é apresentar uma defesa ou um recurso contra a penalidade, deve ser considerado apto para o julgamento.

Entretanto, cumpre trazer uma ressalva e uma analogia.

Você provavelmente já deve ter assistido o filme “uma linda mulher”, com a Julia Roberts no papel da prostituta “Vivian” e Richard Gere no papel do empresário milionário “Edward”.

Lembra daquela cena em que Vivian, mesmo tendo uma quantia enorme de dinheiro para gastar com roupas, é esnobada pela vendedora de uma loja por não estar vestida adequadamente? Lembra que, após fazer compras e mudar seu visual, retornou à loja e esnobou a vendedora?

“Você trabalha por comissão? Que grande mancada”.

Pois bem. Esse é o efeito uma linda mulher, numa analogia ao filme para explicar porque a primeira impressão é a que fica.

Qual foi a primeira impressão da vendedora sobre a Vivian? Embora tenha sido ume impressão errada, suas atitudes foram determinadas por essa impressão.

E esse efeito se aplica também ao seu recurso de multa.

Isso porque, quando o julgador começa a ler a sua peça de recurso, vai inconscientemente realizar duas perguntas:

  1. Posso confiar no que ele vai dizer?
  2. Posso respeitar o que ele vai dizer?

Assim, o primeiro parágrafo de sua peça é fundamental para determinar as chances de seus argumentos serem deferidos ou não.

Um texto bem elaborado, bem formatado, com uma sequência lógica e uma conclusão persuasiva tem muito mais chances de sucesso do que aquele cheio de justificativas e sem uma conclusão lógica.

Aliás, tentar justificar o cometimento de uma infração é a pior coisa que você pode fazer, pois o grau de credibilidade do recurso vai quase a zero.

Começar os argumentos dizendo que existe uma indústria da multa da qual seu cliente foi uma vítima, que seu cliente está sendo perseguido pelo policial corrupto e arbitrário, que não existem provas de que seu cliente cometeu a infração, que a palavra do agente de trânsito não é suficiente ou que o sistema de trânsito está comprometido e só busca a arrecadação dos valores, só vai aumentar as chances de indeferimento do seu recurso.

E se o recurso for manuscrito e com letra feia, pior ainda.

Não digo que seu recurso não vai ser lido mas um texto manuscrito, ofensivo e ainda com a letra feia, além de ser cansativo, é irritante.

E eu te digo o seguinte:

Se você vai enviar uma carta de amor à sua namorada ou esposa, nem pense em mandar um texto impresso. A carta com a sua letra, mesmo que feia, vai causar emoção na pessoa que está lendo.

Mas se você é um profissional da área do Direito de Trânsito e vai recorrer uma multa para o seu cliente, o mínimo que você pode fazer é digitar, formatar o texto no computador e enviar o recurso de forma impressa ou em arquivo digital, seguindo um padrão técnico, como por exemplo fonte Arial, tamanho 12, com espaçamento simples entre linhas, 6 a12 pontos entre os parágrafos, com citações, doutrinas e jurisprudências, pois vai passar muito mais credibilidade pra quem estiver lendo.

É verdade que cada pessoa tem o seu estilo próprio, suas características próprias e deve ser respeitado em suas diferenças, em suas escolhas, em seu modo de ser, correto? E o importante é ser feliz.

Essa premissa, entretanto, não cabe à peça de defesa prévia ou recurso.

Não que você não possa ter o seu próprio estilo de fonte, logomarca, marca d’água, cabeçalho e rodapé, não é isso. O que eu quero te dizer é que não se trata de você, já que a peça tem um destinatário específico: o JULGADOR.

Então, se trata é dele e não de você.

Portanto, em vez de pensar “como eu gostaria de escrever essa peça”, comece a pensar em “como o Julgador gostaria de LER ESSA PEÇA”.

Viu como tem diferença?

Segue um mini roteiro para a montagem dos seus recursos:

MÉTODO “ERA UMA VEZ”

Chamo de método “era uma vez” a técnica de montagem do recurso que possui um começo, meio e fim. É uma ambientação ao aos fatos e argumentos de forma contínua.

Essa é a melhor forma de mostrar ao julgador o que aconteceu e porque a autuação está errada, consiste em:

  1. Situar “temporalmente” o julgador aos fatos ocorridos;
  2. Apresentar “quem” é o autuado;
  3. Dizer “o que” aconteceu, “onde” aconteceu, “por qual meio foi constatado” e “por qual motivo” aconteceu;
  4. Relatar “porque é ilegal/irregular”, correlacionando à norma legal aos fatos ocorridos;
  5. Dizer “por que” você tem razão, demonstrando os artigos de Lei que foram violados no processo administrativo;
  6. Dizer “o que” você pretende com aquela peça de defesa prévia ou recurso;
  7. Informar, ainda, “como” você vai provar sua tese ou “por que” o julgador deve observar as provas que você apresentou e “como” essa prova contradiz a palavra do agente fiscalizador.

Tente fazer um relato simples e direto do seu ponto de vista, sem atacar o agente de trânsito, ainda que tenha cometido um erro absurdo. Lembre-se que ao escrever palavras de baixo calão ou vulgares, o julgador tende a levar isso para o lado pessoal. Ninguém gosta de insultos, mesmo que sejam direcionadas a outra pessoa.

Evite também o “professorismo” ou o “juridiquês” em seu recurso, por mais que você tenha conhecimento sobre o tema. Além de passar uma imagem de uma pessoa arrogante, o cérebro do julgador vai entender que você está desmerecendo o julgamento e o próprio julgador.

Lembre-se de que argumentar é uma coisa isolada. Agora, argumentar apontando fatos e normas de direito é outra coisa. Quando você demonstra a ilegalidade do ato administrativo, apontando todas as normas legais que foram violadas e as provas de que o que você está dizendo é verdadeiro, fica difícil para o julgador manter o processo administrativo intacto.

Dizem que contra fatos demonstrados, não existem argumentos contrários.

Outro detalhe ao qual você deve ficar atento é o texto contraditório. Já li muitos recursos contra penalidades de multa que afirmam que o condutor não estava naquele local, dia e horário ao mesmo tempo em que afirmam não terem observado a presença de nenhum agente fiscalizador. Como isso é possível? Ou mesmo, dizer que não cometeu a infração por estacionar em local proibido ao mesmo tempo em que afirma ter deixado o veículo apenas parado no local, com pisca alerta ligado. Hãããm?

E não se esqueça da lógica. Se você vai argumentar que não estava no local, lembre-se que a lógica é demonstrar que o veículo estava em local diverso e não o condutor. Isso porque, um veículo pode ser conduzido por “qualquer” condutor. Não tem lógica demonstrar que o proprietário ou condutor apresentado estava em local diverso, já que a ferramenta do cometimento da infração foi o veículo.

Finalizando, lembre-se que você está apresentando uma peça de recurso e não um livro. Peças muito extensas, além de cansativas, aumentam as chances de você ser contraditório em seus argumentos.

Concluindo, não é a beleza da peça que vai ser determinante para o êxito ou fracasso de seus pedidos, mas convenhamos, uma peça bem formatada dá gosto de ler e inevitavelmente, vai causar uma primeira impressão no julgador que aumentam as chances dos seus pedidos serem deferidos.

VAGNER OLIVEIRA é advogado especializado em Direito de Trânsito, professor do curso “Prática Forense no Direito de Trânsito”, autor do livro “Infrações de trânsito sob a ótica do defensor de condutores” e colunista da revista “Trânsito e Direito”.

 

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