“SE O AGENTE DE TRÂNSITO DISSE, QUEM SOU EU PRA DUVIDAR? (JARI)”
É bastante comum ao condutor que tenha exercido seu direito de recorrer contra a penalidade que lhe fora imputada pelo órgão de trânsito, receber a notificação de indeferimento sem a devida justificativa ou, para ser mais exato, sem a motivação do ato administrativo.
Em que pese não haver obrigação do órgão de trânsito em expor os motivos do indeferimento na notificação ao infrator, é obrigatório que no processo administrativo tais razões estejam descritas e devidamente fundamentadas, não sendo admissível fundamentações genéricas ou vazias.
Justamente nesse aspecto, algumas decisões administrativas estão sujeitas à revisão, tanto do órgão autuante, quanto do judiciário, eis que, deixando de fundamentar a decisão, existe a violação ao direito de ampla defesa e contraditório do administrado.
A título de exemplo, decisões de indeferimento sob o argumento de que “a palavra do agente de trânsito goza de fé pública”, sem analisar as razões de mérito e de direito alegadas pelo infrator, não serve como fundamentação, eis que se trata de uma decisão genérica, inespecífica e indefinida.
A tradução para essa fundamentação pode ser feita da seguinte forma: “se o agente de trânsito disse, quem sou eu para duvidar.”
Nesses casos, o órgão julgador simplesmente não enfrentou o tema proposto para seu julgamento, pois o Código de Trânsito Brasileiro, no art. 265, determina que a decisão de imposição da suspensão do direito de dirigir seja fundamentada:
“Art. 265 – As penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa”.
Em que pese o artigo 265 ser específico para a penalidade de suspensão e cassação, o mesmo princípio se aplica à imposição das demais penalidades de trânsito.
Ademais, diz o artigo 50, da Lei 9.784:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;
IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;
V – decidam recursos administrativos;
VI – decorram de reexame de ofício;
VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;
VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.
1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
A imposição de penalidade de trânsito é ato administrativo sancionador, decorrente de poder de polícia e o recurso administrativo é procedimento no qual é apresentado matéria fática de discussão sobre os fatos, as razões de mérito e o direito aplicável ao caso concreto, sendo indispensável que o órgão julgador se manifeste sobre TODAS as questões arguidas pelo “suposto” infrator.
Assim, a motivação do julgamento não pode ser entendida como uma mera vontade estatal, mas como uma obrigação da administração pública, pois se trata da participação direta do cidadão no controle desses atos, sendo causa de invalidação do processo administrativo.
A propósito dos motivos e da motivação, é conveniente, ainda, lembrar a “teoria dos motivos determinantes”.
“O mérito do ato administrativo consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e justiça do ato a realizar. Daí a exata afirmativa de Seabra Fagundes de que ‘o merecimento é aspecto pertinente apenas aos atos administrativos praticados no exercício de competência discricionária”.[1]
Nesse contexto, são nulas todas as decisões administrativas que não analisam TODAS as questões apresentadas na defesa do infrator, culminando na respectiva invalidação das penalidades decorrentes deste ato viciado.
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo. Malheiros, 2003.
“O autor encoraja a reprodução total ou parcial deste artigo, desde que devidamente citada a fonte”.
VAGNER OLIVEIRA. Advogado, especialista em Direito de Trânsito, professor na academia do direito de trânsito, palestrante. Autor do livro digital “Coletânea de Jurisprudências de Direito de Trânsito”.
Como citar esse artigo: OLIVEIRA, Vagner Luciano. A JARI TEM QUE FUNDAMENTAR O INDEFERIMENTO DO RECURSO? Disponível em: https://academiadodireitodetransito.com/a-jari-tem-que-fundamentar-o-indeferimento-do-recurso. Acessado em: dd/mm/aaaa.
Muito bom a explanação, nos dá mais gás para ir contra as decisões fundamentadas na palavra do policial. Ou mesmo em portarias baixadas pelo Diretor do Detran.
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