20.000 multas em um mês no Contorno Sul de Maringá

Qual é a função de um radar de FISCALIZAÇÃO de velocidade?

Se você respondeu que é diminuir a velocidade em trechos críticos, evitando assim a possibilidade de ocorrerem acidentes de trânsito, você acertou.

Mas se você respondeu que é arrecadar valores de multas para os cofres públicos, você também acertou.

A função do radar é reduzir a velocidade em trechos críticos, na expectativa de diminuir a quantidade de acidentes de trânsito no local, fiscalizando e penalizando com multas aqueles motoristas que desrespeitam a sinalização de regulamentação, transitando acima da velocidade máxima permitida.

Então, a fiscalização eletrônica de velocidade possui uma função PREVENTIVA e EDUCATIVA, sendo essas as suas funções principais e, ainda, uma função secundária que é a arrecadação dos valores de multa.

Só que alguns órgãos de trânsito estão invertendo essas prioridades, transformando esses aparelhos em verdadeiras máquinas de autuação, fomentando a chamada “indústria da multa”.

Segundo o artigo 90, do CTB, somente pode ser aplicada uma penalidade por desrespeito à sinalização de trânsito, como por exemplo à sinalização de velocidade, quando esta for colocada de forma correta e em quantidade suficiente, possibilitando aos condutores condições de legibilidade da placa, tempo de percepção e reação e oferecendo uma distância suficiente para que possa reduzir gradativamente a velocidade de forma segura e compatível com as condições da via.

Se a sinalização estiver incorreta, fatalmente o radar se tornará uma “arapuca” para os condutores.

Vou citar como exemplo os radares instalados na cidade de Maringá, no Paraná, uma cidade bem planejada, bem estruturada e com grandes investimentos em fiscalização, engenharia e educação para o trânsito.

Esses radares (um em especial) tem gerado uma grande polêmica no município, inclusive com discussões acirradas na Câmara Municipal entre vereadores que defendem a manutenção das penalidades e aqueles que defendem o cancelamento das autuações, dado o volume de condutores multados no último mês.

Aliás, antes mesmo de entrarem em funcionamento, a prefeitura declarou que a expectativa era de ARRECADAR cerca de 15 (quinze) milhões de reais em multas até o final do ano com esses radares.

Essa declaração por si só já é preocupante, pois a expectativa deveria ser de reduzir “X” quantidade de acidentes por ano e não de arrecadar “X” em multas por ano. Parece ser um equivoco encarar o radar como uma fonte de “receita extra”, entretanto, essa parece ser o pensamento da maioria dos gestores públicos.

Entenda a questão.

No dia 09 de fevereiro, entraram em operação 40 (quarenta) pontos de fiscalização de velocidade através de equipamentos eletrônicos de radar.

Um desses radares, instalado na Avenida Prefeito Sincler Sambatti, foi responsável por lavrar certa de 70% de todas as autuações municipais, “produzindocerca de 20.000 em um único mês. Você leu corretamente, mais de 20.000 multas em um único mês de funcionamento.

Entretanto, essa avenida não possui 70% do volume de tráfego em relação às demais vias onde foram instalados os outros trinta e nove radares. Assim, é de se estranhar a quantidade de autuações lavradas nesse curto período e por um único aparelho.

Algo está errado, não há como negar. 

Duas possibilidades:

1. Os condutores maringaenses não obedecem as leis de trânsito, são imprudentes e inconsequentes, ignorando o fato de se trata de um local perigoso e com altos índices de acidentes (1 por mês);

2. Existe erro de sinalização no local ou o aparelho foi instalado de forma irregular, proporcionando que os condutores fossem induzidos a cometer as infrações.

Eu não sei você mas eu, principalmente por ser defensor de condutores, presumo sempre a boa-fé dos motoristas e o ardil por parte do órgão público.

É lógico que muitas vezes eu me engano.

Para conferir as condições em que tais condutores foram autuados, fui in loco conferir a sinalização da via e o local onde o aparelho foi instalado. E confesso que, mesmo sabendo das autuações, quase fui multado também.

Trata-se de um via sinalizada com placas de regulamentação de velocidade máxima em 80 km/h. Em 3 (três) pontos específicos os trechos sofrem uma redução de velocidade para 60 km/h, onde foram instalados radares.

Fiscalizar em velocidades menores do que o trecho anterior é perfeitamente possível, desde que exista um estudo técnico comprovando a necessidade da redução da velocidade e garantindo a visibilidade do aparelho (Resolução 396, CONTRAN) e que exista uma sinalização específica para a redução e em quantidade suficiente para informar aos condutores sobre os novos padrões de velocidade.

Só que, na Avenida Prefeito Sincler Sambatti, apesar de existir a sinalização de regulamentação de velocidade máxima em 80 km/h, o estudo técnico realizado pelo órgão de trânsito descreve o trecho anterior como tendo o mesmo limite de velocidade do trecho fiscalizado.

Ou seja, para o engenheiro responsável pela elaboração do estudo, não houve qualquer redução de velocidade do trecho anterior para o trecho fiscalizado (Obs.: As placas de 80 km/h foram substituídas no dia 16/04 para placas de 60 km/h, após as 20.000 multas terem sido lavradas. Também foram colocadas mais placas, inclusive uma sinalização suspensa no local) .

Somente essa incoerência seria suficiente para o cancelamento das autuações, já que o estudo técnico não levou em consideração as características da sinalização viária instalada antes do trecho fiscalizado.

Volto a dizer, fiscalizar em velocidade reduzida é possível, desde que o estudo técnico demonstre a necessidade de fiscalizar em velocidade reduzida, fato que foi ignorado pelo responsável pela elaboração do estudo.

Sobre a redução de velocidade, conveniente dizer que, entre as placas de 80 e 60 km/h, deve existir a distância mínima de 120 metros (se a placa tiver 1 metro de diâmetro), permitindo a visualização, leitura e interpretação da placa de redução de velocidade. Se não houver essa distância, placas intermediarias devem ser instaladas.

Na Avenida Prefeito Sinclair Sambatti, essa distância regulamentar até existe. Entretanto, a placa de velocidade de 80 km/h está localizada em um ACLIVE, que ao final, conta com uma curva leve à esquerda, onde foi instalada a sinalização de 60 km/h.

Ou seja, ainda que a distância regulamentar tenha sido observada para a colocação da sinalização de redução de velocidade, as condições nas quais foi instalada não permitem visibilidade e legibilidade aos condutores, que continuam transitando na velocidade de 80 km/h até conseguirem visualizar a segunda placa de redução de velocidade, instalada a cerca de 30 (trinta) metros após a curva.

Nesse caso, placas intermediárias deveriam ser instaladas no local.

E aqui, na ausência de placas intermediárias, outro problema.

A segunda placa de regulamentação de velocidade instalada no local (a primeira visível aos condutores), informa que houve uma redução da velocidade para 60 km/h e que adiante existe a fiscalização eletrônica. Só que essa placa está instalada a 150 (cento e cinquenta) metros do aparelho de radar.

Segundo o Manual Brasileiro de Sinalização Vertical, a sinalização que reduz a velocidade de 80 km/h para 60 km/h, deve oferecer ao condutor uma distância de visualização, leitura e percepção da placa, que é de 94 metros e mais uma distância de reserva (tempo para reduzir a velocidade de forma segura), que é de 70 metros.

Ou seja, entre a placa (visível) de 60 km/h reduzindo a velocidade e o radar, deve existir uma distância mínima de 164 metros.

A distância de 150 (cento e cinquenta) metros para a redução da velocidade antes do aparelho de fiscalização é insuficiente para a redução da velocidade de forma gradativa e segura.

Em outras palavras, as características de instalação do equipamento, aliadas à sinalização vertical deficiente, induzem ao cometimento da infração.

É o chamado “erro de proibição”, ou seja, o condutor imagina que está transitando na velocidade regulamentada para a via (80 km/h), quando na verdade está transitando acima da velocidade fiscalizada (60 km/h), pois não conseguiu visualizar a sinalização de redução de velocidade.

E mesmo que o condutor consiga visualizar a placa de 60 km/h, não terá tempo hábil para diminuir a velocidade do veículo de forma gradativa e compatível com a segurança antes do aparelho de fiscalização.

Lembrando que é proibido frear bruscamente o veículo, salvo por razões de segurança (Art. 42, CTB).

Ou seja, apesar de existir sinalização de redução de velocidade na Avenida Prefeito Sinclair Sambatti, dando “ares de legalidade” à autuação, na verdade se trata de um ato administrativo derivado de aparelho instalado de forma irregular e que não poderia originar uma penalidade de multa de trânsito (quanto mais 20.000).

E isso, no que diz respeito à sinalização para REDUÇÃO DA VELOCIDADE.

Para que o radar seja eficaz, após a distância de LEGIBILIDADE e RESERVA para a redução da velocidade, a Resolução 396 exige, ainda, a colocação de placa R-19 (velocidade máxima permitida) a uma distância mínima de 100 metros do radar.

Não confunda. Uma placa diz respeito à redução da velocidade de 80 km/h para 60 km/h, possibilitando conhecer a redução e reduzir a velocidade de forma gradativa. Outra, instalada após essa distância de redução, confirma a velocidade para o trecho e deve ser instalada entre 100 e 300 metros do radar (Resolução 396, Anexo IV).

Mas, vejam só onde ela foi instalada:

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Não cheguei a medir mas aparentemente não há 100 metros entre a placa e o radar.

Não vou dizer que foi uma manobra para possibilitar a arrecadação de multas mas vou dizer que, indiscutivelmente, esse foi o motivo de tantas autuações no local.

E não há como atribuir ao condutor o desrespeito à sinalização instalada de forma ilegível, invisível e insuficiente (Art. 90, CTB).

Finalizando, a prefeitura “esqueceu” de proibir o estacionamento de veículos nas proximidades do radar e como se trata de uma área industrial, muitos caminhões baú estacionam ao longo da via, impedindo a visualização do aparelho pelos condutores.

Lembrando que a Resolução 396 diz que cabe à Autoridade de Trânsito com circunscrição sobre a via garantir a visibilidade do aparelho. E ainda que se diga que o aparelho está visível quando não há veículos estacionados no local, essas variáveis comprometem a eficácia do aparelho e devem ser levadas em consideração pela engenharia de trânsito antes da instalação do aparelho, o que aparentemente não ocorreu.

Mas a Avenida Prefeito Sinclair Sambati de Maringá não é um caso isolado, apenas repercutiu mais na mídia do que em outras cidades, afinal, foram vinte mil multas em um único mês.

A imprudência de alguns motoristas que transitam em excesso de velocidade não pode funcionar como um “pano de fundo” para justificar a instalação de aparelhos de forma irregular, destinados a enganar os condutores e aumentar essa “receita extra” para o município.

E se você se ofende quando dizem que existe aindústria da multa” no Brasil, eu digo que não há como negar que a multa pode ser produzida em larga escala, através de equipamentos de fiscalização padronizados e instalados especialmente para atender a essa “linha de montagem”.

O princípio popularizado por Henry Ford chegou aos órgãos de trânsito.

Obs: Retornei ao local uma semana depois e para a minha surpresa, TODAS as placas de 80 km/h que antecediam o radar foram substituídas por placas de 60 km/h. Além disso, foram colocadas placas intermediárias, inclusive uma placa suspensa sobre a via. Isso não altera a análise de que TODAS as autuações lavradas antes da substituição da sinalização são irregulares.

O autor encoraja a reprodução total ou parcial deste artigo, desde que devidamente citada a fonte”.

VAGNER OLIVEIRA. Advogado de Trânsito. Fundador da Academia do Direito de Trânsito. Professor do Curso “As grandes teses do direito de trânsito” e “Como montar um Escritório de Recursos de Multa”.

Como citar este artigo: OLIVEIRA, Vagner Luciano. 20.000 multas em um mês no Contorno Sul de Maringá. Disponível em: https://transitonaveia.wordpress.com/2018/04/25/20-000-multas-em-um-mes-no-contorno-sul-de-maringa/. Acessado em dd/mmm/aaaa.

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